domingo, 28 de fevereiro de 2010

Bastardos Inglórios





• título original:Inglourious Basterds
• gênero:Guerra
• duração:02 hs 33 min
• ano de lançamento:2009
• site oficial:http://www.inglouriousbasterds-movie.com/
• estúdio:The Weinstein Company / Universal Pictures / A Band Apart / Zehnte Babelsberg
• distribuidora:The Weinstein Company / Universal Pictures / UIP
• direção: Quentin Tarantino
• roteiro:Quentin Tarantino
• produção:Lawrence Bender
• música:
• fotografia:Robert Richardson
• direção de arte:Marco Bittner Rosser, Stephan O. Gessler, Sebastian T. Krawinkel, Andreas Olshausen, David Scheunemann, Steve Summersgill e Bettina von den Steinen
• figurino:Anna B. Sheppard
• edição:Sally Menke
elenco:
• Brad Pitt (Tenente Aldo Raine)
• Mélanie Laurent (Shosanna Dreyfuss)
• Eli Roth (Sargento Donny Donowitz)
• Christoph Waltz (Coronel Hans Landa)
• Michael Fassbender (Tenente Archie Hicox)
• Diane Kruger (Bridget von Hammersmark)
• Daniel Brühl (Fredrik Zoller)
• Til Schweiger (Sargento Hugo Stiglitz)
• Gedeon Burkhard (Wilhelm Wicki)
• Jacky Ido (Marcel)
• B.J. Novak (Smithson Utvich)
• Omar Doom (Omar Ulmer)
• August Diehl (Major Dieter Hellstrom)
• Denis Menochet (Perrier LaPadite)
• Sylvester Groth (Joseph Goebbels)
• Martin Wuttke (Adolph Hitler)
• Mike Myers (General Ed Fenech)
• Julie Dreyfus (Francesca Mondino)
• Richard Sammel (Sargento Werner Rachtman)
• Rod Taylor (Winston Churchill)
• Léa Seydoux (Charlotte LaPadite)
• Tina Rodriguez (Julie LaPadite)
• Lena Friedrich (Suzanne LaPadite)
• Maggie Cheung (Madame Mimieux)
• Samuel Jackson (Narrador)
• Cloris Leachman (Sra. Himmelstein)
• Samm Levine (Gerold Hirschberg)
Nota: não tenho a menor idéia, mas vá lá:
8,0(parâmetro/categoria: ação)

Alguns diretores continuam sempre os mesmos. De um lado isso é bom, pois significa que não traem seus princípios, não se vendem. De outro lado pode ser ruim, pois significa alguma estagnação em seu amadurecimento como artista.
Quem vê os Tarantinos Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Kill Bill ou Bastardos Inglórios (obras importantes citadas cronologicamente), vê Tarantinos muito parecidos. Sempre essa mistura tênue e bem articulada entre o cult e o pop, o artístico e o comercial. Se de um lado não há muito conteúdo, se os seus filmes não exatamente acrescentam algo ao espectador, também ao mesmo tempo não podem ser denominados entretenimento, não estão enquadrados nos padrões do gênero. Mesmo assim esse toque de algo que não sabemos o que é faz sempre com que gostemos. Gostemos de quê?
Bastardos Inglórios é totalmente inverossímil. E mais do que inverossímil, escapista. É o sonho jamais realizado não apenas dos judeus caçados na Segunda Guerra, mas de todos os povos inferiorizados e explorados de todos os tempos. É a projeção nas telas de tudo de utópico que ferve no sangue humano. A vingança como lei: o Código de Hamurabi, o código escrito mais primitivo e rudimentar, por isso mesmo menos racional e mais humano. É a inversão não da pirâmide social, mas da cadeia alimentar. O Hitler metralhado no final – com uma precisão histórica fiel e minuciosa – é a concretização final de tudo isso.
Bastardos Inglórios é a negação de toda a moral burguesa cristã, do perdão – se lhe batem numa face ofereça a outra –, da ética, do código penal, da honra, etcs. É a negação de todo e qualquer contrato formal; é o ser humano puro e intrínseco como ele o é, em sua origem – e não em sua origem bíblica, mas sua origem cavernosa –, animal, bruto, emotivo, não apenas sentimental mas emotivo, emotivo beirando o explosivo; ou mesmo explodindo. É o ser humano sem contratos sociais, sem sistemas, sem máscaras, sem moldes. O ser humano primitivo. O ser humano que já não existe mais.
É isso que agrada nos filmes de Tarantino. Vermo-nos sem qualquer pudor, censura, vermo-nos desnudos. Ver o que nunca nos foi permitido ser; e talvez por um momento sentir que o somos. Tarantino é escape.
É escape sem ser romântico, sem ser entretenimento, pois se não está inserido na lógica burguesa, mais do que isso, é totalmente inerente a ela, como foi mostrado. É um escapismo ao inverso. O romantismo clássico nos levava a um tempo idealizado. Mas hoje vivemos num tempo idealizado – com todas as instituições e morais burguesas operando em perfeita ordem e submetendo todo o comportamento humano ao padrão julgado ideal. Tarantino nos leva à desidealização do mundo. Românticos e refinados? Somos animais.
E gostamos de ser animais. Esse animal aprisionado dentro de nós é liberto durante um filme de Tarantino. Seja matando Bill ou nazistas.
Assim Tarantino sempre foi o que é, e provavelmente sempre o será. Ele não é um artista que constrói em seus filmes reflexões ou teias complexas de sentimentos, não é um idealista; não tem o que amadurecer. Tampouco é um artífice do cinema industrial em busca de vender a moral burguesa para as massas. Assim, ironicamente, ele consegue uma proeza quase impensável: admiração de ambos, dos intelectuais e das massas. Todos saem de casa para ver sua visão única e tipicamente tarantina da Segunda Guerra – com direito a muita violência (intensa mas banalizada), descaso com a cronologia dos fatos, diálogos extensos e progressivos intensamente, habilmente construídos, trilha sonora nenhum pouco convencional contudo precisa, humor negro e referências pop; tudo isso suas marcas registradas.
Um candidato valioso para o Oscar. Não é o melhor filme do mundo; mas inevitavelmente agradará a todos.

Crítica feita em 17/02/2010


Prêmios:

GLOBO DE OURO
Venceu como melhor ator coadjuvante para Christoph Waltz
Indicado para Melhor Filme Dramático, Melhor Diretor e Melhor Roteiro

BAFTA
Venceu como Melhor Ator Coadjuvante
Indicado para Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Edição e Melhor Direção de Arte

Cannes
Venceu como Melhor Ator para Christoph Waltz
Indicado para Palma de Ouro

Bastardos Inglórios recebeu oito indicações para o Oscar 2010. As devidas atualizações serão feitas após o festival, que ocorrerá dia 7 de março.
As indicações são: Melhor Filme, Melhor Diretor para Tarantino, Melhor Ator Coadjuvante para Christoph Walts, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia (Robert Richardson), Melhor Edição (Sally Menke), Melhor Edição de Som (Wylie Stateman), Melhor Mixagem de Som (Michael Minkler, Tony Lamberti e Mark Ulano)

Vencedor: Melhor ator coadjuvante para Christoph Waltz

Amor sem Escalas


• título original:Up in the Air
• gênero:Comédia Dramática
• duração:01 hs 49 min
• ano de lançamento:2009
• site oficial:http://www.theupintheairmovie.com/
• estúdio:Paramount Pictures / Cold Spring Pictures / The Montecito Picture Company / Right of Way Films / DW Studios
• distribuidora:Paramount Pictures / UIP
• direção: Jason Reitman
• roteiro:Sheldon Turner e Jason Reitman, baseado em livro de Walter Kim
• produção:Jeffrey Clifford, Daniel Dubiecki, Ivan Reitman e Jason Reitman
• música:Rolfe Kent
• fotografia:Eric Steelberg
• direção de arte:Andrew Max Cahn
• figurino:Danny Glicker
• edição:Dana E. Glauberman
• efeitos especiais:Lola Visual Effects / Hammerhead Productions
elenco:
• George Clooney (Ryan Bingham)
• Vera Farmiga (Alex Goran)
• Anna Kendrick (Natalie Keener)
• Jason Bateman (Craig Gregory)
• Amy Morton (Kara Bingham)
• Melanie Lynskey (Julie Bingham)
• J.K. Simmons (Bob)
• Sam Elliott (Maynard Finch)
• Danny McBride (Jim Miller)
• Zach Galifianakis (Steve)
• Chris Lowell (Kevin)
• Steve Eastin (Samuels)
• Adrienne Lamping (Tammy)
• Dustin Miles (Ned)
Nota: 3,5 (parâmetro/categoria: entretenimento)

Amor sem Escalas poderia ser pior, mas é uma comédia romântica por excelências, de modo que lhe é quase impossível ser um bom filme.
Como toda comédia romântica, o filme trata da transformação de um protagonista carismático de uma aberração dentro dos padrões norte-americanos para alguém perfeitamente enquadrado: do frio para o sentimentalista, do boa-vida para o homem de família, etc. A “inovação”, se é que podemos chegar a dar este nome, está no fato de que isso não se concretiza na prática, o personagem típico de George Clooney aprende a valorizar as morais norte-americanas, chega mesmo a apaixonar-se, percebemos que gostaria de fixar-se e constituir família, mas ele de certo modo é frustrado e não consegue levar isso para a prática. Apesar disto não temos um final deprimente, mas a história de alguém que leva uma vida alternativa, mas não necessariamente “errada”.
E um final não tão previsível, já que as perspectivas de que Ryan fique com Natalie (já que são personagens opostos, e comédias românticas geralmente terminam com a união de opostos) não se concretizam.
Contudo, em suma, o filme não acrescenta nada na vida de ninguém, exceto algumas risadas em momentos pontuais. Até chega-se a abrir algumas discussões interessantes, como a frieza subsequente do avanço da tecnologia, a necessidade do acúmulo pelo acúmulo (como é o caso das tão desejadas 10 milhões de milhas do George Clooney), e a problemática da irmã do protagonista, que juntava fotos de lugares onde não tinha ido. Mas nenhuma dessas discussões chega a ser aprofundada de modo que mereça destaque.
O papel de Amor sem Escalas parece ser, portanto, mais passar a mão na cabeça de desempregados e de pessoas acomodadas numa vida familiar tradicional do que qualquer outra coisa. É claro que os argumentos de Clooney para que seu cunhado casado não convencem: “todos precisam de copiloto” é a prova imensurável de que o ser humano constitui família por medo, não por “amor”. E é claro que os depoimentos finais dos desempregados, mostrando que dinheiro não é necessário quando se tem família, tampouco convencem: ok, um abraço esquenta mais do que um cobertor ou calefação, mas não vamos comer os braços dos nossos cônjuges.
Além do mais, trata-se de um filme em suma desnecessário, já que o mesmo tema já foi explorado – e dessa vez com qualidade – numa comédia de Lars von Trier, O Grande Chefe.
Resumindo, um filme que não merece o Oscar.

Crítica feita em 16/02/2010



Prêmios:

Amor sem Escalas levou o prêmio da associação de roteiristas pelo Melhor Roteiro Adaptado

Indicações ao globo de ouro: melhor filme dramatico,direção,roteiro,ator dramatico para George Clooney e atriz coadjuvante para Vera Farmiga e Anna Kendrick (venceu melhor roteiro)

Amor sem Escalas está concorrendo a 5 Oscar. As devidas atualizações serão feitas após a entrega dos prêmios, que ocorrerá no dia 07/03/2010
As indicações são: Melhor Filme, Melhor Diretor (Jason Reitman), Melhor Ator (George Clooney), Melhor Atriz Coadjuvante (Vera Farmiga) e Melhor Roteiro Adaptado


Amor sem Escalas não ganhou nenhum prêmio no Oscar 2010

Preciosa - Uma História de Esperança


• título original:Precious: Based on the Novel Push by Sapphire
• gênero:Drama
• duração:01 hs 50 min
• ano de lançamento:2009
• site oficial:http://www.weareallprecious.com/
• estúdio:Lee Daniels Entertainment / Smokewood Entertainment Group
• distribuidora:Lionsgate / PlayArte
• direção: Lee Daniels
• roteiro:Geoffrey Fletcher, baseado em livro de Sapphire
• produção:Lee Daniels, Gary Magness e Sarah Siegel-Magness
• música:Mario Grigorov
• fotografia:Andrew Dunn
• direção de arte:Matteo de Cosmo
• figurino:Marina Draghici
• edição:Joe Klotz
• efeitos especiais:LOOK! Effects
elenco:
• Gabourey Sidibe (Claireece "Preciosa" Jonas)
• Mo'Nique (Mary)
• Rodney Jackson (Carl)
• Paula Patton (Sra. Rain)
• Mariah Carey (Sra. Weiss)
• Sherri Shepherd (Cornrows)
• Lenny Kravitz (Enfermeiro John)
• Stephanie Andujar (Rita)
• Chyna Layne (Rhonda)
• Amina Robinson (Jermaine)
• Xosha Roquemore (Joann)
• Angelic Zambrana (Consuelo)
• Aunt Dot (Tootsie)
• Nealla Gordon (Sra. Lichtenstein)
• Barret Helms (Tom Cruise)
• Kimberly Russell (Katherine)
• Bill Sage (Sr. Wicher)
• Sapphire
• Patty Duke
Nota: 6,2 (categoria/parâmetro: desigualdades sociais)

Preciosa escapa de uma lógica quase determinista da temática cinematográfica: rico tem problema psicológico, pobre tem problema prático (como se não tivessem mente, inconsciente ou coração). Claireece não é uma personagem rasa, apresentando alguma vida interna por baixo dos problemas sociais típicos (e acumulados) que lhe afligem. Mas ainda mais profunda é sua mãe, uma personagem complexa, interpretada por Mo'Nique, uma atriz excelente, que mostra uma profundidade dramática e psicológica muito intensa e comovente nas últimas cenas.
O filme também ganha ponto desmascarando as assistências sociais, vistas por muitos como solução para as desigualdades sociais, quando são na realidade tapete sob o qual se joga as poeiras.
Contudo não é um filme que aponte o cerne do problema. Ele retrata o problema, mas não menciona seu motivo. Usa-se uma família como exemplo da miséria. Então, acumula-se nessa família todas as misérias, conseguindo assim um choque bastante intenso para o telespectador. Há a desigualdade social, pois são bem pobres. Há a segregação racial, pois é uma típica família negra do Harlem. Há o estupro pelo pai – aqui até melhor encarnado do que um Almodóvar renomado, Volver –, a saúde precária, a menina gorda que não se adapta socialmente. Há doenças (Síndrome de Down e AIDS). Todos os problemas sociais acumulados numa mesma família – o que é mesmo um tanto apelativo –, sendo ela um microcosmo representante de toda uma realidade. Mas qual a origem de tudo isso? Cadê a dimensão crítica do filme? Não há. O filme não quer proporcionar reflexão, mas piedade. E pior ainda, esperança. Ao mesmo tempo que o filme critica as assistências sociais, ele próprio joga a poeira pra baixo do tapete.
Entre transmitir pouco sobre muitos temas, mais vale transmitir muito sobre poucos. Parece que o filme cai no erro de alguns clássicos da escola literária naturalista, como O Cortiço de Aluízio Azevedo. Preciosa retrata muitos problemas, na sua forma crua – sem idealização –, e equilibra todos de modo hábil para que nenhum se perca e todos se mostrem relevantes, mas não acrescenta muita coisa sobre nenhum deles.
Apenas mostrar não causa muita reação porque todos já sabem tudo aquilo: o público apenas mastiga as misérias como se assistindo jornal; logo esquecem e conversam sobre outra coisa. Daí a necessidade de se mostrar a causa: causar reação, transformar o público passivo em ativo.
Soma-se uma bonita trilha sonora de jazz norte-americana, que se encaixa perfeitamente ao contexto retratado, e tem-se um filme razoável. Apesar de Preciosa não ser um filme perfeito, se destaca dentre a lista de pérolas hollywoodianas que concorrem ao Oscar de melhor filme; sem dúvida é uma candidata merecedora.

Crítica feita em 16/02/2010



Prêmios:

67º Globo de ouro
Melhor atriz coadjuvante (Mo'Nique) - Vencedor

16º Screen Actors Guild Awards
Melhor atriz coadjuvante - (Mo'Nique) Vencedor

Bafta (British Academy of Film and Television Arts)
Vencedor melhor atriz coadjuvante para Mo'Nique
Indicado como melhor filme
Indicado como melhor atriz para Gabourey Sidibe

Preciosa está concorrendo a seis Oscar. As devidas atualizações serão feitas após a entrega dos prêmios, que ocorrerá em 7 de março
As indicações são: Melhor filme, Melhor atriz (Gabourey Sibide), Melhor atriz coadjuvante (Mo'Nique), Melhor diretor (Lee Daniels), Melhor edição e Melhor roteiro adaptado


Preciosa gahou o prêmio de melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro adaptado

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Avatar


• título original:Avatar
• gênero:Ficção Científica
• duração:02 hs 46 min
• ano de lançamento:2009
• site oficial:http://www.avatarfilme.com.br/
• estúdio:20th Century Fox Film Corporation / Giant Studios / Lightstorm Entertainment
• distribuidora:20th Century Fox Film Corporation
• direção: James Cameron
• roteiro:James Cameron
• produção:Jon Landau e James Cameron
• música:James Horner
• fotografia:Mauro Fiore
• direção de arte:Nick Bassett, Robert Bavin, Simon Bright, Todd Cherniawsky, Jill Cormack, Stefan Dechant, Seth Engstrom, Sean Haworth, Kevin Ishioka, Andrew L. Jones, Andy McLaren, Andrew Menzies, Ben Procter e Kim Sinclair
• figurino:Mayes C. Rubeo e Deborah Lynn Scott
• edição:John Refoua e Stephen E. Rivkin
• efeitos especiais:Framestore CFC / Gentle Giant Studios / Halon Entertainment / Hybride Technologies / Hydraulx / Industrial Light & Magic / Pixel Liberation Front / Stan Winston Studio / Giant Studios / The Third Floor / Weta Digital
elenco:
• Sam Worthington (Jake Sully)
• Zoe Saldana (Neytiri)
• Michelle Rodriguez (Trudy Chacon)
• Sigourney Weaver (Dra. Grace Augustine)
• Giovanni Ribisi (Selfridge)
• CCH Pounder (Moha)
• Stephen Lang (Coronel Quaritch)
• Joel Moore (Norm Spellman)
• Laz Alonso (Tsu'Tey)
• Dileep Rao (Dr. Max Patel)
• Peter Mensah (Akwey)
• Matt Gerald (Lyle Wainfleet)
Nota: 2,5 (categoria/parâmetro: filme futurista)

Uma obra estritamente visual, o “revolucionário” Avatar, nada mais que uma releitura escapista e moralista do processo de colonização do Novo Mundo, é permeado de clichês, nos transmite constantemente a sensação de “já vimos isso em algum lugar”, e tem um enredo fraco, lembrando velhos clássicos infantis.
Avatar aposta num enredo simples a fim de focar toda a atenção do público no aspecto visual da obra. Sim, o filme conta com uma tecnologia apavorante e efeitos gráficos incomparáveis. Os quase dez anos e os mais de 400 milhões de dólares gastos em sua criação não foram à toa. E a projeção em 3D, a mais nova modinha mega-lucrativa de Hollywood, só intensifica a sensação de absorção que a imagem transmite. Somos absorvidos e em momentos estamos mesmo dentro daquela paisagem, seja o exotismo e exuberância de Pandora ou o futurismo das naves espaciais – que lembram vagamente naves como as de 2001 ou de Star Wars. Respiramos tudo aquilo.
O enredo é totalmente previsível. O próximo acontecimento é sempre esperado, sabemos todas as reações, as reviravoltas, os desfechos. Mas ninguém se importa.
Porque o cinema é cada vez menos arte e cada vez mais tecnologia, tecnologia, tecnologia. Sem bobajadas de intimismos, queremos ação, ação, lugares-comuns, mais ação. E longas intermináveis, porque desde sempre grandiosidade foi associada com duração. “...E o vento levou” não teria feito a revolução que fez se não fosse gigante, “Ben-Hur” não teria salvado a MGM se não o fosse; “Avatar” não poderia ser diferente. Para os que curtem entretenimento previsível o efeito funciona, e cada minuto a mais de bichos azuis é um minuto a mais se exaltando o filme para os amigos que (ainda) não o viram. Para os que amam a arte que é o cinema e têm um mínimo de senso crítico, a sessão simplesmente enfadonha parece interminável.
Mas não apenas de longa duração se faz uma obra faraônica. Tudo tem que ser grande. As florestas de Pandora são tão saturadas que consomem em nossos olhos, as tomadas aéreas nos submergem em um mundo nos quais nos sentimos ínfimos; o espaço sideral onde estão as naves trazem a mesma sensação. A idéia é essa, nos sentirmos pequenos diante de tanta grandiloquência. Julgarmos tudo aquilo maior que nossa vidinha fútil.
E aí também entra o caráter épico da história. A luta fantástica entre o bem e o mal, o explorado e o explorador, o traído e o traidor. O bom selvagem simpático e puro e o militar calculista. Os exércitos surreais e intermináveis, o lado suprimido, com desvantagem bélica, mas que supera o rival com alguma força metafísica, o amor guiando os passos dos heróis, salvando povos, nações, unindo povos, vencendo injustiças. O escapismo.
Mas esse escapismo romântico para um passado idealizado já está muito batido, é coisa do século XIX. Então, Avatar realiza um jogo muito interessante, e muito promissor, ao contextualizar o passado no futuro, juntando, num mesmo pacote, o poder de bilheteria de um bom escapismo romântico com o poder de bilheteria de uma exacerbada tecnologia futurista.
Não parece toda essa produção exagerada e exorbitante nada mais que um profundo ressentimento patriota americano contra seus colonizadores? Não é a concretização na tela do cinema daquela sensação utópica escapista romântica de “e se tudo tivesse sido diferente?” Ou a semelhança dos Na’vi com os índios nativos americanos é mera coincidência? Eles são índios demais para serem extraterrestes. Pintam o corpo demais, usam arco e flecha demais, veneram a natureza demais, são rudimentares e toscos demais para que não tenham nascido em outro planeta senão a Terra, em outro continente senão a América. Até suas tradições, seus costumes baseados em determinados valores, tudo lembra. E os terráqueos são obcecados demais numa determinada pedra preciosa – no caso, o tal do unobtainium – abundante na terra dos índios, com alto valor no mercado, para não serem outros senão os europeus enfrentando o mercantilismo – e o metalismo – florescente na Idade Moderna. A trupe científica simpática aos Na’vi, liderada pela dra. Grace, lembra nossos grupos antropológicos históricos, ou vagamente até mesmo os jesuítas que querem educar os nativos e aprender com eles, e que se opõem à dominação bélica da metrópole.
Mas algumas coisas são diferentes. Se a História é amoral, o cinema comercial é o que há de mais moralista. Os nativos da Idade Moderna aceitaram inicialmente relações de troca (temos no Brasil, por exemplo, os famosos escambos); os Na’vi não, porque eles “não precisavam de nada daquilo”. Muito mais valiosos, não? Os indícios de que a catástrofe não se concretizaria começaram aí. E de fato os Na’vi não se deixaram colonizar. Não foram aniquilados pelos “homens do céu” (assim como os índios americanos foram aniquilados pelos “homens do mar”). Eles resistiram. Proporcionando-nos uma maravilhosa sensação de esperança, de bem-estar; por que não desejar que Pandora de fato exista, por que não desejar que aquele mundo seja o real? Que nunca tenhamos sido colonizados – ou que não sejamos explorados, que não nos sujeitamos a forças dominantes, a sistemas? E de repente deixamos nossa vidinha fútil, fazemos parte de toda aquela grandiloquência. Conforto; conformismo. Escapismo. Bilheteria.
E na vida real tudo continua o mesmo.
- Vamos assistir Avatar de novo?

Trata-se de uma obra romântica, porque as obras românticas sempre venderam mais. E sempre ganharam Oscars.
A expectativa é grande. Nove indicações? Vamos ver quantos prêmios a Academia de Hollywood dará para esse seu mais recente e legítimo filho.




Crítica escrita em 07/02/2010 (exatamente um mês antes do Oscar)




Prêmios:

Globo de Ouro (2010)

Melhor Filme (drama) - Vencedor
Melhor Realizador (James Cameron) - Vencedor
Melhor Canção (original) (I see you) - Nomeado
Melhor Trilha Sonora - Nomeado


Avatar recebeu nove indicações pro Oscar. As devidas atualizações serão feitas após a entrega dos prêmios, que ocorrerá dia 7 de março.
As indicações são: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora, Melhor Fotografia, Melho Edição de Som, Melhor Efeito Especial, Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição


Atualização:
Avatar ganhou os prêmios de fotografia, direção de arte e efeito especial

O Leitor


• título original:The Reader
• gênero:Drama
• duração:02 hs 04 min
• ano de lançamento:2008
• site oficial:http://www.thereader-movie.com/
• estúdio:The Weinstein Company / Neunte Babelsberg Film / Mirage Enterprises
• distribuidora:The Weinstein Company / Imagem Filmes
• direção: Stephen Daldry
• roteiro:David Hare, baseado em livro de Bernhard Schlink
• produção:Donna Gigliotti, Anthony Minghella, Redmond Morris e Sydney Pollack
• música:Nico Muhly
• fotografia:Roger Deakins e Chris Menges
• direção de arte:Christian M. Goldbeck e Erwin Prib
• figurino:Donna Maloney e Ann Roth
• edição:Claire Simpson
• efeitos especiais:RhinoFX / Custom Film Effects
elenco:
• Ralph Fiennes (Michael Berg)
• David Kross (Michael Berg - jovem)
• Jeanette Hain (Brigitte)
• Kate Winslet (Hanna Schmitz)
• Susanne Lothar (Carla Berg)
• Alissa Wilms (Emily Berg)
• Florian Bartholomäi (Thomas Berg)
• Friederike Becht (Angela Berg)
• Matthias Habich (Peter Berg)
• Bruno Ganz (Prof. Rohl)
• Max Mauff (Rudolf)
• Karoline Herfurth (Marthe)
• Lena Olin (Rose Mather / Ilana Mather)
• Alexandra Maria Lara (Ilana Mather - jovem)
• Frieder Venus (Médico)
Nota: 8,5 (parâmetro/categoria: drama)

O Leitor é, antes de tudo, um filme muito humano. É raro não apenas na história do cinema, mas das artes em geral, algo que retrate nazistas como algo mais do que animais sanguinários e estereotipados. Nazista? Hanna Schimitz é nazista? Até esquecemos de encará-la desse modo. Trata-se de um ser humano com fraquezas – não que isso justifique as mortes que causou; nada justifica –, mas não somos nós (muito menos o sistema legal da Alemanha Ocidental) que está aqui para julgar se ela é perdoável ou não.
O filme não é complacente com o movimento nazista; tampouco trata as vítimas judias com descaso (a cena no final do filme em que Michael Berg vai se encontrar com a judia sobrevivente para a qual Hanna deixara seu dinheiro é belíssima). Não se trata, afinal, de um filme político: não é um filme sobre o contexto histórico; é um filme que usa o contexto histórico a seu favor, em prol de seu enredo e da construção psicológica de seus personagens. Assim, ele foge do estereótipo que trazem muitos filmes políticos – principalmente os ambientados nessa época. Mesmo A Lista de Schindler, de Steven Spielberg, que mostra um nazista como herói, deixa claro que ele é herói porque, afinal das contas, ele não se comportou como nazista. Os demais nazistas são monstros. Hanna Schimitz (personagem que rendeu a Kate Winslet não menos que três prêmios) comportou-se como uma legítima nazista – nazista, ela? – e não é uma “monstra”. O ser humano é muito complexo para que lhe nomeemos com rótulos rasos.
Além de inovar nesse aspecto, O Leitor também inova no desenvolvimento que dá ao relacionamento entre o rapaz de quinze anos e a mulher mais velha. Desde filmes como A Primeira Noite de um Homem esse tipo de relação é retratada não necessariamente como “feio” ou “errado”, mas sempre como uma aberração, algo marginal, fora dos padrões sociais. O Leitor consegue incutir nesse relacionamento a mesma sensibilidade que se imprima em qualquer relação dita “normal” – sem que, por causa disso, esqueçamos que se trata de um jovem com uma mulher mais velha. Podemos dizer que é apenas “peculiar”, não “marginal”.
E o mais interessante são algumas sutilezas que o filme traz. Em uma aula de literatura de Michael ouvimos seu professor afirmar algo notável: a literatura ocidental é construída em torno do segredo. O personagem tem posse de alguma informação que, seja por ímpetos negativos ou positivos, ele toma a decisão de guardar para si.
Ao final, percebe-se que é nisso que se resume o próprio filme. Hanna Schimitz não sabia ler e escrever. Esse segredo poderia alterar todo o curso dos julgamentos, mudaria drasticamente o próprio destino de Hanna. Mesmo assim, Michael decide guardá-lo para si. Por que o faz?
E por que não lhe responde as cartas que ela manda da prisão (ele chega mesmo a escrever, mas joga no lixo)? Por que a trata tão friamente na única vez em que vai visitá-la, quando encontra-se sem outra opção? Culpa? Algum tipo de redemoinho interno que o assolava e que eu não seria capaz de aqui reproduzir? Apelativo fácil do filme para criar sentimentalismo?
O Leitor excede em certos momentos no grau de melodrama, o que é ajudado por uma trilha incidental bem convencional; além de cair no outro excesso que é dirigir aos protagonistas um olhar de piedade que ultrapassa a simples empatia (se não estamos aqui para julgá-los, seria natural que também não aqui estivéssemos para lhes dar a misericórdia). Contudo trata-se incontestavelmente de um bom filme, singular no aprofundamento de seus temas e moldado com muita humanidade.





Prêmios:

Ganhou o Oscar de Melhor Atriz (Kate Winslet), além de ter sido indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Fotografia.

Ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante (Kate Winslet), além de ser indicado nas categorias de Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor e Melhor Roteiro.

Ganhou o BAFTA de Melhor Atriz (Kate Winslet), além de ter sido indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Fotografia.

A Partilha


• título original:A Partilha
• gênero:Comédia
• duração:01 hs 33 min
• ano de lançamento:2001
• estúdio:Globo Filmes / Columbia TriStar do Brasil / Lereby Produções
• distribuidora:Columbia TriStar do Brasl
• direção: Daniel Filho
• roteiro:Miguel Falabella, Daniel Filho, João Emanuel Carneiro e Mark Haskell Smith, baseado em peça teatral de Miguel Falabella
• produção:Daniel Filho
• música:Nelson Motta e Ed Motta
• fotografia:Felix Monti
• direção de arte:Marcos Flaksman
• figurino:Marília Carneiro
• edição:Felipe Lacerda
elenco:
• Andréa Beltrão (Regina)
• Glória Pires (Selma)
• Paloma Duarte (Laura)
• Lília Cabral (Lúcia)
• Herson Capri (Luiz Fernando)
• Dênis Carvalho (Carlos)
• Marcello Antony (Bruno Diegues)
• Chica Xavier (Bá Toinha)
• Fernanda Rodrigues (Simone)
• Guta Stresser (Célia)
• Cininha de Paula (Fiscal da alfândega)
• Lui Mendes (Tonelada)
• Thiago Fragoso (Maurício)
• Laís Clara (Lúcia - criança)
• Luane Silva (Selma - criança)
• Taissa Pereira (Regina - criança)
• Manoela Rodrigues (Laura - bebê)
• Vinícius Marques (Pai)
• Christina Xavier (Bá Toinha - jovem)
• Maitê Proença
• Miguel Falabella
• Tony Ramos
Nota: 7,3 (parâmetro/categoria: comédia de costumes)

- O diretor e o roteirsta
Considero A Partilha um filme importante porque salva dois nomes das artes visuais brasileiros que geralmente são associados a produções comerciais: Miguel Falabella e Daniel Filho. Aquele não se trata de um dramaturgo superficial apenas por dar um tratamento leve aos dramas familiares das famílias de classe média. Este, por sua vez, apesar de ser pouco artista o suficiente para afirmar que a virtude essencial de um filme é comunicar, é perfeitamente capaz de dirigir coisa com muito mais conteúdo do que Se Eu Fosse Você (1 e 2, porque toda porcaria tem continuação).
De fato, devemos ao diretor não somente essa magistral cópia de filme norte-americano de Sessão da Tarde, mas também a destruição inveterada e impiedosa de uma das mais renomadas obras da literatura portuguesa, O Primo Basílio, cuja adaptação para o cinema lhe reduziu a pornochanchada. Mas quando, em 2009, nos deparamos de repente com um filme tão comovente e peculiar como Tempos de Paz, conscientes de que o diretor da obra-prima é Daniel Filho, somos condicionados a nos lembrar da pérola do humor negro que foi Muito Gelo e Dois Dedos d’Água, de 2006. E a lembrar de A Partilha.
A Partilha é adaptação de uma peça de Falabella – que também assina o roteiro – personalidade associada a séries estritamente comerciais – embora engraçadas – da tv Globo, como Sai de Baixo e – o não tão engraçado assim – Toma Lá, Dá Cá. Porém, na área da dramaturgia, ele é uma espécie de Nelson Rodrigues otimista e caricato.
Caricato; não superficial – como demonstrou em ambos os filmes que roteirizou: A Partilha e Polaróides Urbanas (o qual também dirige), ambos de muita qualidade e que apresentam até um toque psicanalítico.

-A verdadeira partilha
A Partilha conta a história de quatro irmãs que levam vidas totalmente separadas e distintas – Glória Pires é por conformismo casada com um militar que transforma a casa num quartel, e tem uma filha “alternativa” que fica grávida de um tipo de índio; Paloma Duarte (a filha mais nova, motivo pelo qual é amargurada de não ter podido se inserir no grupo das irmãs quando criança) é uma intelectual homossexual que está mergulhada em sua tese e almeja viajar para a Europa para terminá-la, enfrentando conflitos com a namorada (Guta Stresser) que não quer acompanhá-la; Andréa Beltrão é separada do marido com quem casara por exigência dos pais e que a incomodava com taras sexuais incomuns, tipo urinar nela, e que não tem sorte no amor; Lília Cabral (a filha mais velha) vive na França e tem uma relação péssima com seu filho, que a odeia por tê-lo “abandonado” para ir viver no estrangeiro com o homem por quem se apaixonara –, mas têm que unir-se para fazer a partilha dos bens da mãe que acaba de falecer.
O enredo facilmente poderia cair no clichê dos filhos interesseiros e totalmente despudorados (de personalidade unilateral) que se matam para sair melhor do que o outro na divisão da herança, mas que no final se arrependem e etc etc etc. Não é nada disso. Ao final percebemos que a partilha a que o título se refere não é a partilha dos bens, mas a partilha de experiências de vida, de risos, de brigas, de afetos, ódios, fraquezas. Partilha que as quatro irmãs só tiveram a oportunidade de fazer por terem se unido em função da outra partilha – que de modo algum é tratado com ingenuidade, pois há sim interesses por partes das irmãs. Só que elas são humanas além do interesse. Não se pode chegar a dizer que são complexas, pois é uma comédia de costumes e não uma se trata de uma obra tão pretensiosa; mas também não são personagens rasos, elas são ambíguas e muitas vezes confusas quanto ao que querem.
Selma, por exemplo (personagem de Glória Pires) fica o filme todo aumentando o preço do apartamento de sua mãe porque, no íntimo, não quer que ninguém aceite comprá-lo: ela não quer se desamarrar de suas lembranças. Ao mesmo tempo, vive o conflito de trair o marido com o agente imobiliário – que, antes de ser agente, é um pintor surrealista – ou manter-se no conformismo. Por ser uma comédia despretensiosa, esse conflito tem final ingênuo, com Selma como que reapaixonando-se pelo marido (e ficamos até com a esperança de que ele abdique de seu costume metódico de etiquetar os objetos da casa; costume esse, aliás, que rende uma cena engraçada e irônica em que uma Selma bêbada etiqueta as coisas erradas, penteando-se com o sabonete e olhando-se na parede escrita “espelho”).
Por ser uma comédia despretensiosa, não há um sentimentalismo em torno de temas tão delicados. Exceto na cena final totalmente dispensável, em que as quatro irmãs narram em off o destino que elas levaram (destinos que o espectador já tinha deduzido sozinho e que não precisariam ser assim mastigados), enquanto uma Glória Pires chorosa assiste filmagens de quando as quatro eram crianças, tudo com uma trilha sonora sentimental típica. Seria um filme mais maduro, sim, se terminasse logo antes de aparecer “3 meses depois” na tela.
Assim, temos um filme com um final ingênuo e típico do gênero, mas com um desenrolar de enredo que escapa dos padrões convencionais esperados; embora mesmo assim consiga certo apelo comercial, isso não o impede de ter conteúdo. Alterando momentos engraçados e tristes, mas sempre com bastante leveza e certa sensibilidade, o filme retrata vários conflitos da classe média sem apelar para estereótipos ou julgamentos fáceis (embora, ao contrário, em alguns momentos seja um pouquinho condescendente). E a partilha recíproca desses conflitos mostrará que ninguém é melhor do que ninguém: seres humanos têm interesses e fraquezas, e sentimentos dúbios, mas é tudo isso que garante que sejam humanos.



Prêmios:

Grande Prêmio BR de Cinema 2002 (Brasil)
Recebeu duas indicações na categoria de melhor atriz, para Andréa Beltrão e Glória Pires.

Festival de Cinema Brasileiro de Miami 2002 (EUA)
Venceu na categoria de melhor roteiro.
Recebeu o Prêmio da Audiência.

Ventos da Liberdade


• título original:The Wind that Shakes the Barley
• gênero:Drama
• duração:02 hs 07 min
• ano de lançamento:2006
• site oficial:http://www.thewindthatshakesthebarley.co.uk/
• estúdio:BIM Distribuzione / Film Coop / Sixteen Films Ltd. / Bórd Scannán na hÉireann / Element Films / TV3 Television Network Ireland / Tornasol Films S.A. / UK Film Council / Matador Pictures / Filmstiftung Nordrhein-Westfalen / EMC Produkt
• distribuidora:IFC First Take / California Filmes
• direção: Ken Loach
• roteiro:Paul Laverty
• produção:Rebecca O'Brien
• música:George Fenton
• fotografia:Barry Ackroyd
• direção de arte:Michael Higgins e Mark Lowry
• figurino:Eimer Ni Mhaoldomhnaigh
• edição:Jonathan Morris
• efeitos especiais:Team FX Ltd. / Cine Image Film Opticals Ltd.
elenco:
• Cillian Murphy (Damien)
• Padraic Delaney (Teddy)
• Liam Cunningham (Dan)
• Gerard Kearney (Donnacha)
• William Ruane (Gogan)
• Roger Allam (Sir John Hamilton)
• Laurence Barry (Micheail)
• Frank Bourke (Leo)
• John Crean (Chris)
• Máirtín de Cógáin (Sean)
• Orla Fitzgerald (Sinead)
• Myles Horgan (Rory)
• Damien Kearney (Finbar)
• Martin Lucey (Congo)
• Shane Nott (Ned)
• Siobhan Mc Sweeney (Julia)
• Sean McGinley (Padre)
• Antony Byrne (Interrogador)
Nota: 8,2 (parâmetro/categoria: filme político)

Um filme de guerra muito belo, que ganha profundidade ao abandonar conceitos clássicos de lado de mal e lado do bem e explorar as divergências internas dentro do lado explorado – a Irlanda dominada pela Inglaterra em 1920.
No início parecia ser um filme de guerra como qualquer outro. Damien, que não mexia com política e ia levar uma vida conformada como médico, vê um garoto ser morto por não falar seu nome em inglês para os oficiais em ingleses; mesmo assim ia embora para levar sua vida, contudo, deparando-se com mais barbaridades na estação de trem, decide ceder aos apelos do irmão, Tedd, e lutar ao seu lado numa guerrilha contra a Inglaterra. História senso-comum e tantas vezes já repetida – em vários contextos – do mocinho inicialmente alienado que passa por sua conscietnização – redenção – e se torna um grande herói, futuramente tornando-se até mais engajado e determinado do que os que lhe levaram para luta? Sim, Ventos de Liberdade é isso. Mas não é só isso.
Não é só isso porque ao construir essa trilha típica do herói convertido ele desnuda aspectos interessantes e nada maniqueístas desse período conturbado da história irlandesa.

Tudo bem, inicialmente temos, além da expectativa de enredo banal, cenas de violência banais, moldadas na estética do entretenimento, incapazes de causar comoção ou reflexão. Mas isso acaba se alterando. O primeiro momento interessante é quando Damien se vê obrigado a executar o próprio amigo por traição – que traiu não por ser mau, mas por fraqueza. É uma passagem muita bela mostrada de modo humano.
As divergências internas já começam, mostrando aos espectadores que a História não é preto no branco. No primeiro tribunal independente da Irlanda, um homem é acusado de cobrar juros muito altos de uma senhora. Mas, embora a justiça dê causa para a senhora, Tedd vai em socorro do homem, já que ele é fornecedor de armas e, portanto, tem um papel indispensável na organização do grupo. Damien defende a senhora, mostrando ser um personagem de caráter – um herói.
Mas o filme se torna realmente interessante quando a Inglaterra propõe um pretenso tratado de paz que concede vários privilégios para os irlandeses, contudo os mantém sob o domínio político da Coroa. Há uma cena fantástica no ponto de vista histórico-político que mostra os irlandeses discutindo a ratificação ou não do tratado; a discussão deles é trabalhando de modo a inserir o espectador exatamente dentro do contexto e da problemática histórica que é retratada. Então, de repente, os grupos antes divergente se tornam definitivamente inimigos, os irmãos se tornam inimigos, irlandeses matam irlandeses. Os soldados ingleses são retirados do território irlandês, mas, ironicamente, irlandeses – que antes lutavam contra esses soldados – assumem seu lugar: são os nacionalistas. A Igreja Católica, sempre hipócrita e com interesses, defende-os, defende a ratificação. O padre prega em favor, na verdade, da manutenção da soberania da sua instituição (o que torna-se ainda mais hipócrita se considerarmos que um dos embates ideológicos entre a Inglaterra e Irlanda geradores do espírito separatista desta é resultante do fato de uma ser protestante enquanto a outra é católica). Os republicanos – mocinhos do filme, os que ainda querem a liberdade plena – mantém-se firmes, e chegam a apresentar projetos socialistas para uma futura Irlanda.
E todo esse redemoinho culmina enfim – se você não viu o filme não leia esse parágrafo – em Tedd tentando subornar o próprio irmão para trair seu grupo – quando, lembram-se, o mesmo Tedd mandara Damien executar seu amigo por traição. E, ironicamente, a mando de Tedd, Damien é então executado por não-traição. Um final de uma sensibilidade humana e profundidade reflexiva tão grande que inesperado quando, de começo, imaginamos estar iniciando um filme comum. A última cena é simplesmente tocante.
Um tratado da crueldade da natureza humana, ou da crueldade que ela assume quando entra em contato com certos arquétipos como o poder. Fazendo uso do clichê do herói convertido, o filme mostra que o heroísmo não tem força perante a complexidade social que torna a liberdade interesse político. Ventos da Liberdade nos mostra, ironicamente, que os ventos que porventura trouxerem a liberdade ainda sopram muito longe daqui.



Prêmios:

Festival de Cannes 2006 (França)
Conquistou a Palma de Ouro.

European Film Awards 2006
Venceu na categoria de melhor fotografia.
Indicado nas categorias de melhor filme, melhor diretor, melhor ator (Cillian Murphy) e melhor roteiro.

Prêmio Goya 2007 (Espanha)
Indicado na categoria de melhor filme europeu.
Satellite Awards 2006 (EUA)
Indicado na categoria de melhor roteiro original.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

As invasões bárbaras


• título original:Les Invasions Barbares
• gênero:Drama
• duração:01 hs 39 min
• ano de lançamento:2003
• site oficial:
• estúdio:Astral Films / Centre National de la Cinématographie / Cinémaginaire Inc. / Le Studio Canal+ / Harold Greenbury Fund / Productions Barbares Inc. / Pyramid Productions / Société Radio-Canada / Téléfilm Canada/ Soci
• distribuidora:Miramax Films / Art Films
• direção: Denys Arcand
• roteiro:Denys Arcand
• produção:Daniel Louis e Denise Robert
• música:Pierre Aviat
• fotografia:Guy Dufaux
• direção de arte:Caroline Alder
• figurino:Denis Sperdouklis
• edição:Isabelle Dedieu
elenco:
• Rémy Girard (Rémy)
• Stéphane Rousseau (Sébastien)
• Dorothée Berryman (Louise)
• Louise Portal (Diane)
• Dominique Michel (Dominique)
• Yves Jacques (Claude)
• Pierre Curzi (Pierre)
• Marie-Josée Croze (Nathalie)
• Marina Hands (Gaëlle)
• Toni Cecchinato (Alessandro)
• Mitsou Gélinas (Ghislaine)
• Johanne-Marie Tremblay (Irmã Constance)
• Denis Bouchard (Duhamel)
• Micheline Lanctôt (Enfermeira Carole)
• Markita Boies (Enfermeira Suzanne)
• Izabelle Blais (Sylvaine)
Nota: 9,6 (categoria/parâmetro: drama leve)

Uma obra-prima extremamente sensível sobre ideologia, amizade e morte. Um tratado sobre a pós-modernidade. Invasões Bárbaras é um marco no cinema canadense, vencedor de prêmios como o Oscar de melhor filme estrangeiro e Cannes de melhor roteiro para Denys Arcand, que é também o diretor – além de Cannes de melhor atriz para Merie-Josée Croze, valendo-me no entanto ressaltar que na verdade todas as atuações estão perfeitas.
Rémy, antigo esquerdista ferrenho dos anos 60, ser humano inerente a qualquer instituição – seja a empresa, o casamento, etc –, libertino, intelectual bonachão, mulherengo e despreocupado com a vida – e, por isso mesmo, apaixonado por ela –, então à beira da morte em uma sala particular comprada com muito suborno pelo filho empresário, é a personificação ácida e fatal do fim de toda uma ideologia consternada e esperançosa, é o perecimento de toda uma geração que surgiu para mudar o mundo – mas não mudou; ou pelo menos não nas dimensões almejadas. É o último remanescente de uma era moderna que não voltará. E seu último ato individual de liberdade – numa era de liberdades institucionalizadas – foi poder escolher a hora de sua morte; e perceber, numa cena linda em que ele, em seus últimos momentos, relembra a bela atriz – a primeira das – com quem sonhava quando jovem (“na primeira vez que acordei e vi que tinha sonhado com os mares do Caribe percebi que tinha ficado velho”), que a morte não o afasta da vida, mas ao contrário, o aproxima dela. Em sua morte ele tornou-se mais vivo do que o fora durante a velhice. Como dissera Natalie, a drogadita: “não é a sua vida atual que você não quer perder, mas a passada, e esta você já perdeu”. Perdida, mas de certo modo retomada no momento da morte, essa que foi uma escolha – o que não significa pecado –, certamente triste – o que não significa trágico/melancólico –, porém bela, profunda e humana – o que não significa idealizada ou escapista.
Antes de morrer Rémy perdoa o filho yuppie que se tornara tudo o que ele sempre renegara, e de certo modo também é perdoado: algo também muito simbólico; a conciliação entre os antagonismos. As invasões bárbaras dos anos 60 não tiveram as mesmas proporções que as que atingiram o Império Romano – embora mesmo os bárbaros daquela época tenham inserido em sua cultura alguns hábitos dos “civilizados”. Que destino terão as invasões bárbaras fundamentalistas do século XXI ?
O filme todo nos remete ao poeta latino Ovídio quando este afirmava que o tempo é o devorador de todas as coisas. Assistimos, através da degradação física de um Rémy já velho e convalescente, o falecimento de uma geração, de uma cultura, da barbárie que era a rebeldia moderna e seus sonhos. Bem-vindos à pós-modernidade. À idade contemporânea. À nova era.

-Abordagens múltiplas
Invasões Bárbaras é rico por abordar o declínio dos ismos modernos e a ascensão da mentalidade contemporânea não sob um único viés, mas sob abordagens amplas e diferentes, abrindo assim para os espectadores margem para discussões extremamente construtivas. Se a obra promove discussões sociológicas ao inserir no enredo discussões sobre temas como religião, a utilização do dinheiro como mecanismo de poder e até mesmo para comprar pessoas, e o significado simbólico do ataque às torres gêmeas, ou mesmo satirizando os “ismos” que guiaram os passos de toda uma geração inconformada (a geração dos personagens principais), também é profundo filosoficamente no debate acerca de certos conceitos como a inteligência – ela é individual ou coletiva? Fora as abordagens psicanalíticas, que têm dois pontos marcante: quando Natalie refere-se à primeira experiência com a heroína como a qual sempre tenta-se retornar (fazendo referência ao conceito freudiano da primeira mamada), e quando a filha de Rémy, despedindo-se dele antes de sua morte (através de um mecanismo contemporâneo que é a ligação dos vários pólos globais por tecnologia via satélite), refere-se a ele como o homem de sua vida. Fora também o debate moral acerca de temas como a eutanásia – esta que é, no filme, tratada com absoluta naturalidade, naturalidade que já não é mais concebida na geração pós-moderna. E, finalmente, as discussões sobre sexo, o tema inserido ao mesmo tempo em todas as abordagens citadas. Além de tudo isso, o olhar direcionado a todos esses temas – pouco-convencional, amoral, muitas vezes subversivo –, essa perspectiva tão humana contribui para que se ultrapasse o mero debate acadêmico e proporciona a todos eles uma profundidade muito difícil de ser alcançada – ainda mais tratando-se de tantos e múltiplos temas em apenas uma hora e meia de projeção.
O que se obtém somando tudo isso é um belo desnudamento da alma humana – e sua contextualização social na era pós-moderna – que exige tempo – e muito debate com pessoas de outras áreas – para ser digerido. Não é, definitivamente, um filme que se esgote em si mesmo. Trata-se de uma porta aberta

-Final simbólico e o valor da amizade
O filme, caracterizado por um olhar leve sobre a vida – trazendo implicitamente o mesmo argumento de Beleza Americana e outros dramas leves segundo o qual assuntos sérios e delicados não são necessariamente trágicos e melodramáticos –, deixa seu otimismo marcante em passagens como a que, na hora de morrer, Remy retoma por um momento seus sonhos eróticos de juventude. Mas esse otimismo tranquilo se torna indubitavelmente apaixonante na última cena. A união de dois produtos da pós-modernidade, simbolizada pelo beijo de Sebastien e Natalie, consiste na abdicação de ambos os lados de valores e conceitos arraigados nessa mentalidade emergente da qual fazem parte. Sebastien entra em contato com a relação humana não-institucionalizada, que é movida pela paixão – sentimento – e não pelo capital e por contratos formais. Assim, abandona também, ao menos num momento, de seu puritanismo (ele que criticara tanto o pai por sua “devassidão” sexual, suas “puladas de cerca”). Natalie, por sua vez, que encontra no vício o escape das turbulências e do redemoinho que é a psicótica vida pós-moderna, marcada por tantas exigências sociais a serem cumpridas, acaba descobrindo um horizonte alternativo (por assim dizer), que não é mais escape, mas onde ela pode ser ela mesma. A mensagem de Denys Arcad é clara: a pós-modernidade é volúvel, líquida como qualquer era, sua cultura e mentalidade necessitam de alicerces como qualquer outra, alicerces que, sim, são construídos e portanto são abaláveis, estão sujeitos às invasões bárbaras.
E a amizade tem valor intrínseco em tudo isso. Essa paixão, o contato, o calor humano, esse afeto animal, quase que instintivo, é o que nos resta de inerente a tudo que o que nos é moldado pelas eras, tudo o que nos é pensado pelas culturas, tudo o que nos é construído pela “civilização”.



Prêmios:

Ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ter sido nomeado na categoria de melhor roteiro original.

Recebeu uma nomeação ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.

Recebeu duas nomeações ao BAFTA, nas categoriasde melhor filme estrangeiro e melhor roteiro original.

Recebeu quatro nomeações ao César, nas categorias de melhor filme, melhor realizador, melhor roteiro e melhor revelação feminina (Marie-Josée Croze).

Ganhou no Festival de Cannes os prêmios de melhor atriz (Marie-Josée Croze) e melhor roteiro.

Ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro, no European Film Awards.

Ganhou o Grande Prêmio Cinema Brasil de melhor filme estrangeiro.

Os Imperdoáveis


• título original:Unforgiven
• gênero:Faroeste
• duração:02 hs 11 min
• ano de lançamento:1992
• site oficial:
• estúdio:Warner Bros.
• distribuidora:Warner Bros.
• direção: Clint Eastwood
• roteiro:Clint Eastwood
• produção:Clint Eastwood
• música:Lennie Niehaus
• fotografia:Jack N. Green
• direção de arte:Adrian Gorton e Rick Roberts
• figurino:Janice Blackie-Goodine
• edição:Joel Cox
elenco:
• Clint Eastwood (Bill Munny)
• Gene Hackman (Little Bill Daggett)
• Morgan Freeman (Ned Logan)
• Richard Harris (Bob, o ingl�s)
• Jaimz Woolvett (Schofield Kid)
• Saul Rubinek (W.W. Beauchamp)
• Frances Fisher (Strawberry Alice)
• Anna Levine (Delilah Fitzgerald)
• David Mucci (Quick Mike)
• Rob Campbell (Davey Bunting)
• Anthony James (Skinny Dubois)
• Beverley Elliott (Silky)
• Shane Meier (Will Munny)
• Aline Levasseur (Penny Munny)
• Ron White (Clyde Ledbetter)

Nota: 9,0 (parâmetro/categoria: western)

Clint Eastwood tornou-se humano. E desde então só humanizou-se cada vez mais.
Um dos maiores diretores norte-americanos da atualidade, Clint Eastwood não tornou-se o que é do nada. A ponte entre os westerns hollywoodianos que protagonizava, fazendo o típico cowboy machão e impenetrável, e os filmes profundamente sensíveis e contundentes que dirigiria a partir da década de 90 foi construída com muita delicadeza através dessa obra-prima merecedora indiscutível do Oscar de Melhor Filme. Os Imperdoáveis foi como que uma profecia. Um ser humano nasceu.
O personagem de Eastwood nesse filme é metaforicamente o próprio Eastwood. Trata-se de um cowboy amargurado com o passado de machão assassino inveterado, frio e bêbado – como se o próprio Clint Eastwood, como cineasta e artista, buscasse sua redenção. A visão melancólica e pessimista do filme não dá margem para muitas esperanças; uma espécie de determinismo faz com que Bill Munny não consiga escapar de seu passado, seja porque precisa de dinheiro para alimentar seus filhos, seja porque a injusta e severa punição e humilhação de seu amigo lhe despertem os rancores antigos. Seu retorno, no final, ao universo dos cowboys machões não é triunfal, mas deprimente. O sistema em que foi inserido não lhe permite ser humano. Mas apesar disso ele o é; e essa humanidade é construída minuciosamente, com muita delicadeza, desnudando aos nossos olhos um personagem cheio de fraquezas, que mata não por frieza, mas ao contrário, por possuir sentimentos tão fortes que não lhe é possível administrá-los, já que socialmente foi condicionado a ser frio.
A personagem ausente de sua falecida esposa é muito forte; ela não é a apenas a única que enxergou a humanidade sob o véu do assassino frio, mas também a que ensinou Bill a enxergá-la; ensinou-lhe a olhar sob o próprio véu. E não há nisso resquício de moralismo, como pode parecer numa leitura superficial, mas sim há quebra de preceitos, de idealizações sobre heroísmo, da concepção da violência como algo estimulante (disse Michael Moore que se alguns de seus amigos que assistiam John Ford quando jovens não o tivessem feito provavelmente estariam vivos; não teriam ido lutar em guerras pelo seu país).
Não há mocinho e bandido no filme: são todos humanos. O amargurado Bill, o aspirante a cowboy machão Schofield Kid – que só conhece o universo onde pretende entrar através de histórias e nunca viu a violência de perto –, o “escudeiro” Ned Logan (Morgan Freeman em uma de suas melhores atuações; talvez por tratar-se de um de seus melhores papéis), que é capaz de acertar um homem com precisão a milhas de distâncias mas de repente é incapaz de puxar o gatilho. As prostitutas não são objetos decorativos, têm personalidade, angústias, medos e aspirações. Os bandidos que passam o filme inteiro caçados para ser mortos não são pessoas nascidas para fazer o mal, mas pessoas que, num ataque de fúria causada pelo orgulho-próprio ofendido, tornaram-se violentas. São todos humanos com fraquezas e dualidades; deixaram de ser tipos e nós não estamos aí para julgar ninguém.
Talvez em consideração e respeito aos que lhe introduziram no cinema, Clint Eastwood resgatou esse gênero fora de moda há tantos anos para lhe assegurar uma cadeira no patamar dos filmes artísticos. Corresponderia, na literatura, em termos estéticos, sociais e psicológicos, à passagem do romantismo para o realismo dos westerns. Com essa obra de transição – em todos os sentidos – conseguiu uma obra-prima. E, para nossa sorte, o melancólico determinismo de seu personagem não se refletiu na vida real: o cineasta mostra-se em suas produções totalmente livre de seu passado. Se algum resquício amargurado então porventura sobreviveu, esvaiu-se de vez no final do mais recente Gran Torino – outra obra-prima.



Prêmios:

Oscar:

Ganhou:
Melhor filme
Melhor diretor
Melhor ator coadjuvante (Gene Hackman)
Melhor montagem

Indicações:
Melhor ator (ClintEastwood)
Melhor direção de arte
Melhor som
Melhor fotografia
Melhor roteiro original

Os Imperdoáveis recebeu ainda indicações para os prêmios de Melhor Direção e Melhor Filme da British Academy of Film and Television Arts, bem como o prêmio ShoWest de Diretor do Ano da Associação Nacional de Proprietários de Teatros (que também concedeu a Eastwood o prêmio de Astro da Década em 1982).

O Homem Elefante


• título original:The Elephant Man
• gênero:Drama
• duração:01 hs 58 min
• ano de lançamento:1980
• estúdio:Brooksfilms Inc.
• distribuidora:Paramount Pictures
• direção: David Lynch
• roteiro:Christopher De Vore, Eric Bergren e David Lynch, baseado em livro de Sir Frederick Treves e Ashley Montagu
• produção:Jonathan Sanger
• música:John Morris
• fotografia:Freddie Frances
• direção de arte:Robert Cartwright
• figurino:Patricia Norris
• edição:Anne V. Coates
• efeitos especiais:Effects Associates Ltd.
elenco:
• Anthony Hopkins (Dr. Frederick "Freddie" Treves)
• John Hurt (John Merrick)
• Anne Bancroft (Sra. Kendal)
• John Gielgud (Carr Gomm)
• Freddie Jones (Bytes)
• Hannah Gordon (Anne Treves)
• Helen Ryan (Princesa Alex)
• John Standing (Dr. Fox)
• Lesley Dunlop (Nora)
• Phoebe Nicholls (Mãe de John Merrick)
• Michael Elphick
• Wendy Hiller

Nota impessoal: 1,5
pessoal: 4,5
(parâmetro/categoria: drama)

Uma pessoa desenquadrada socialmente. Os bonzinhos que querem ajudá-lo. Os malvados que querem aproveitar-se às suas custas. Esse formato já realizou muitos filmes, desde o King Kong de 1933 (esse que, coitado, nem ao menos tem alguém que lhe quer ajudar) – passando pelo clássico Edward Mãos de Tesoura, de Tim Burton, e o mais recente O Solista, um filme de qualidade até – culminando em Preciosa, de 2010, história de uma menina gorda, negra e pobre (que está concorrendo a uma porrada de Oscar).
O Homem Elefante é de 1980. Tendo concorrido a oito Oscar, é o exemplar mais bem acabado desse formato. Sentimentalismos, lugares-comuns, artificialidades. Lágrimas. Piedade. Tudo o que o filme consegue nos despertar. Piedade e uma pontada de esperança. Esperança de que os excluídos possam ser humanos.
O que é muito diferente de demonstrar que eles SÃO humanos. Que exclusão é um problema social, cultural: a mancha da segregação em uma estrutura social hierarquizada. Talvez isso pudesse ser melhor demonstrado caso se mantivesse o Homem Elefante da vida real, que foi ele próprio quem teve a idéia de ir para um circo usar sua miséria para ganhar algum dinheiro. Mas David Lynch preferiu um personagem romântico, um objeto alvo da perversão de uns e da piedade de outros, uma massa disforme que devemos admirar por ser disforme, que devemos amar por, apesar de ser disforme, ter a capacidade de amar.
Algumas coisas mostram que a história da humanidade é a história da hipocrisia. O King Kong, por ser uma aberração social, foi parar na Broadway como espetáculo. O Homem Elefante existiu de verdade e também virou espetáculo da Broadway. A vida imita a arte.
E depois virou filme. E, de uma pontada, tudo o que ele tinha de humano se perdeu. De repente, o homem elefante virou, de fato, um homem elefante – ou apenas elefante.

À espera
Temos numericamente mais Homens Elefantes, Frankesteins, Kings Kongs em nossa sociedade atual do que pessoas ditas normais. E não nos cabe passar a mão em suas cabeças e fazê-los acreditar que são normais. Não nos cabe dar-lhes um guarda-chuva para se protegerem do mijo que escorre quente desde o pico da pirâmide social.
Cabe à sociedade subverter seus valores, dissolver a pirâmide, para que cada homem, elefante ou não, seja de fato normal, apenas por ser humano. Para que não precisemos arregalar os olhos de espanto e soltar lágrimas artificiais de piedade cada vez que descobrirmos sob um ser grotesco uma nuvem de inteligência ou emoção. Para que não precisemos aplaudir hipócritas um Homem Elefante que vai ao teatro, ou que lhe ensinemos a decorar trechos da Bíblia, ou que lhe presenciemos falar com refinos de gentleman e servir chá.
Para que um Frederick Treeves não necessite tanto provar aos superiores que seu paciente não é retardado mental.
Estou à espera de um filme que mostre um Homem Elefante que não se enquadre à Inglaterra vitoriana, mas que rasgue o véu moralista e paternalista da rainha e lhe cuspa na cara se ela o achar feio.



John Merrick não precisaria ter dormido deitado para se sentir gente. Não precisaria ter morrido para se tornar humano.




Prêmios:

Oscar 1981
Recebeu 8 indicações nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (John Hurt), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora e Melhor Direção.

Globo de Ouro 1982 (EUA)
Recebeu 4 indicações nas seguintes categorias: Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor, Melhor Ator - Drama (John Hurt) e Melhor Roteiro.

BAFTA 1981 (Reino Unido)
Ganhou 3 prêmios nas seguintes categorias; Melhor Filme, Melhor Ator (John Hurt) e Melhor Direção de Arte.
Indicado em 4 categorias: Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Melhor Fotografia e Melhor Edição.

César 1982 (França)
Melhor Filme Estrangeiro.

King Kong


• título original:King Kong
• gênero:Aventura
• duração:01 hs 34 min
• ano de lançamento:1933
• site oficial:
• estúdio:RKO Radio Pictures Inc.
• distribuidora:RKO Radio Pictures Inc.
• direção: Merian C. Cooper , Ernest B. Schoedsack
• roteiro:James Ashmore Creelman e Ruth Rose, baseado em estória de Merian C. Cooper e Edgar Wallace
• produção:Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack
• música:Max Steiner
• fotografia:J.O. Taylor
• direção de arte:Carroll Clark, Alfred Herman e Van Nest Polglase
• figurino:
• edição:Ted Cheesman
elenco:
• Fay Wray (Ann Darrow)
• Robert Armstrong (Carl Denham)
• Bruce Cabot (John Driscoll)
• Frank Reicher (Capitão Eaglehorn)
• Sam Hardy (Charles Weston)
• Noble Johnson (Chefe nativo)
Nota: 6,0 (parâmetro/categoria: amor impossível)

King Kong é o Avatar de 1933 (ou Avatar é o King Kong de 2010?): inovação tecnológica, enredo vazio e muito sucesso de bilheteria (King Kong arrecadou o recorde de 90 mil dólares na primeira semana de exibição nos EUA).
E nenhuma preocupação com o respeito ao cinema artístico. Aliás, quando o diretor Carl Denham afirma que precisa de uma atriz bonita para seu filme para que ele se torne mais vendável, é exatamente isso o que os diretores de King Kong fazem. O papel de Ann Darrow é o mesmo papel de Fay Wray. E palmas ao cinema comercial! que pelo menos se assume assim...
Também apresenta em semelhança com Avatar o embate entre o homem (norte-americano) e uma civilização desconhecida e rudimentar, e seus resultados catastróficos.

-Através das décadas
É interessante que as três versões de King Kong podem ser usadas para se traçar um panorama do desenvolvimento tecnológico de Hollywood. Desde o processo básico de animação de 1933 que foi um marco dos efeitos especiais, com o modelo de 40 centímetros do gorila extasiando as platéias e ajudando a RKO a escapar da falência, passando pela versão de 1976 (que troca o Empire State, maior prédio do mundo na década de 30, pelo então maior prédio do mundo, as Torres Gêmeas), com uma tecnologia já mais desenvolvida, até a versão mais recente (2005), de Peter Jackson, que conta com uma tecnologia afiadíssima e um King Kong capaz de transmitir feições nitidamente humanas.


Já o roteiro, raso e desconexo, não se aperfeiçoou através das décadas. Quem explica como um diretor conceituado como o tal Carl Denham não tinha sequer uma atriz profissional à sua disposição? E que coincidência que o levou a achar a mulher perfeitamente roubando maçã na sua frente (além de ser lindíssima, ela já atuara em teatro)! Ainda mais interessante ele levar um grupo de filmagem inteiro para um lugar que ninguém sabe qual é (e que está fora dos mapas mas que ele por algum motivo tem certeza absoluta que existe), provavelmente com permissão da marinha para fazer esse tipo de coisa, além disso sem nenhum roteiro para o filme que pretende produzir; e sem contar que há dinossauros naquela tal ilha, mas enfim... nada mal para um filme infanto-juvenil.
Quiçá as versões de King Kong podem ser usadas para traçar um panorama do desenvolvimento geral de Hollywood através de várias décadas: cada vez mais tecnologia e estagnação do conteúdo, da temática e da profundidade dos filmes. Preocupações comercial e artística inversamente proporcionais.

- A Bela e a Fera
King Kong ganha um pouco mais de complexidade e profundidade, podendo até quem sabe nos acrescentar algo, se for encarado como uma releitura crítica de A Bela e a Fera. Enquanto no original, o amor é o suficiente para que a Fera deixe de ser Fera e que os protagonistas sejam felizes para sempre; nessa releitura a Fera é morta pelo seu amor. “Não foram os aviões que o mataram”, diz Carl Denham, “foi a Bela quem matou a Fera”. É algo de fato para se pensar, podendo se constituir metáfora de determinadas questões atuais como discriminação, preconceito, e a sensação de se sentir deslocado socialmente, de não se enquadrar nos padrões. Tudo isso ganha uma abordagem pessimista, mostrando que em nossa realidade as noções tradicionais de estética estão tão arraigadas que escapismos românticos já não bastam para quem é inferiorizado.
Longe de ter seu amor retribuído, como no conto de fadas tradicional, o amor de Kong é usado como isca, e, como qualquer aberração ao sistema, aos conceitos padrões, a Fera é usada como forma de espetáculo, como atração. Outra metáfora.
As referências à Bela e a Fera são muitas e diretas durante o filme. Podemos até encará-lo como uma espécie de sátira. Com um pouco de esforço, até de um Clássico de Massa de Hollywood extraímos coisas importantes para nossas vidas.