sábado, 24 de abril de 2010

O segredo dos seus olhos


• título original:El Secreto de sus Ojos
• gênero:Drama
• duração:02 hs 07 min
• ano de lançamento:2009
• site oficial:http://www.elsecretodesusojos.com/
• estúdio:100 Bares / Canal+ España / Haddock Films / Tornasol Films / ICAA / INCAA / ICO / TVE / Telefe
• distribuidora:Sony Pictures Classics / Europa Filmes
• direção: Juan José Campanella
• roteiro:Eduardo Sacheri e Juan José Campanella, baseado em livro de Eduardo Sacheri
• produção:Gerardo Herrero, Juan José Campanella e Vanessa Ragone
• música:Federico Jusid e Emilio Kauderer
• fotografia:Félix Monti
• direção de arte:
• figurino:Cecilia Monti
• edição:Juan José Campanella
elenco:
• Ricardo Darín (Benjamin Esposito)
• Soledad Villamil (Irene Menéndez Hastings)
• Pablo Rago (Ricardo Morales)
• Javier Godino (Isidoro Gómez)
• Guillermo Francella (Pablo Sandoval)
• José Luis Gioia (Inspetor Báez)
• Carla Quevedo (Liliana Coloto)
• Rudy Romano (Ordóñez)
• Mario Alarcón (Juez Fortuna Lacalle)
• Mariano Argento (Romano)
• Juan José Ortíz (Agente Cardozo)
• Kiko Cerone (Molinari)
• Fernando Pardo (Sicora)
• Elvio Duvini (Juan Robles)
• Sergio López Santana (Jacinto Cáceres)
• Gabriela Daniell (Alejandra Sandoval)
Nota: 7,0 (parâmetro/categoria: drama)

O lançamento argentino “O segredo de seus olhos” quer falar de paixão, mas fala de obsessão. Nisso reside seu potencial de comoção, assim ele arranca lágrimas, arranca suspiros. Não que seja um mal filme, ou antes um filme dissimulado, demasiado seria acusá-lo de ocultar pretensões maléficas nas entrelinhas; poderíamos chamá-lo, simplesmente, exagerado; em última instância, quiçá, apelativo. Sem querer, uma fórmula para os risos e lágrimas, uma fórmula para o Oscar. Mas apenas sem querer.
Benjamin é aparentemente um homem preso ao passado. Mas Benjamin desconstrói o conceito de passado: “não era outra vida, era essa vida”. Ele é preso, pois, a um determinado objeto presente em seu passado, hoje longínquo. O objeto de sua paixão.
Paixão que permaneceu em estado latente, hibernando, inconsciente de si mesma, até que a experiência, o contato com uma paixão alheia, tão ou mais forte do que a sua – se é que cabe ao conceito de paixão unidades de medida – despertou-lhe o sentimento de si mesma. Ricardo Morales brada “é a minha vida”, ao que Benjamin rebate, negando com o vigor que a paixão que desperta lhe incute. Pois a paixão de Morales não tem o poder da fluidez, a paixão de Morales tem a peculiaridade de ter-se fixado numa instância eterna e imutável a partir do momento em que seu objeto se esvai. As paixões são meramente fluidas quando em harmonia com a fluidez de seu objeto, mas o objeto da paixão de Morales se esvaíra, deixando esta pairando qual um fantasma, um fantasma de pedra, que tomba com o impacto da pedra, disseminando-se com o poder de penetração do fantasma – Benjamin é penetrado, sua paixão desperta como em contato com brasa.
Morales, por sua vez, encontra outro objeto – anexo àquele – para sua paixão, o toma para si, o encarcera, e volta a viver: enfim sua paixão tornou-se novamente fluida. Benjamin tinha razão, não bastavam 25 anos, não bastava o tempo: sem a paixão o homem não sobrevive, e se o objeto da paixão de Morales perecera, só haveria um jeito deste continuar vivo.

Outras paixões, estas secundárias no enredo, são exploradas. Gómez só foi localizado devido à sua incapacidade de esconder sua paixão: não mencionasse tantas referências ao Racing Club em suas cartas à mãe, jamais se teria perdido. Sandoval, cuja perspicácia levou a esta pista, pousara a paixão sobre a bebida: seu objeto era o álcool, ele só era vivo enquanto ébrio.
Isso tudo o filme explora, e explora de modo sensível, abstendo-se da racionalidade a fim de construir personagens psicologicamente profundos e de personalidade incoerente – o que consiste, afinal de contas, na maior das coerências, esta que só poucos conseguem traduzir em alguma forma de arte.
Contudo, não obstante tantas sutilezas, resta-nos a pergunta fundamental, a pergunta que nos incomoda durante toda a projeção, esta pergunta que desconstruirá muito do que Campanella e os demais realizadores do filme dedicaram-se tanto a construir: a paixão tem, de fato, um objeto?

Considerando-se como preceito basilar que a paixão consista não na relação de dependência e por vezes fanatismo de um sujeito sobre um determinado objeto, mas sim numa força que, por ter como função impulsionar a vida, garantir aos homens que se levantem todos os dias da cama sabendo que o caos os espera e, mesmo assim, sentindo-se plenos por dentro ao fazê-lo, jamais terá um objeto claro e definido – pois a vida não tem nem terá um objeto (objetivo) claro e definido –, chegamos à fatal conclusão de que houve por parte do filme uma confusão conceitual. Os personagens estão sempre falando sobre vazio, mas não conseguiriam nunca, numa abordagem realista, preencher um vazio interno através de uma relação com um objeto externo. Se Benjamin precisa de Irene – e não apenas das respostas e da força passional que residem em si – para se preencher e ser feliz, isso não é paixão; é, antes, amor. E, quando levado às últimas consequências, conforme acontece no filme, culminando em última instância à dependência e ao fechamento do sujeito em relação a qualquer outro objeto externo que se lhe apresente, obsessão. O exemplo de Benjamin vale para todos os personagens mencionados. Não são, sob qualquer perspectiva possível de análise, passionais; são, antes, obcecados. E das mulheres nem isso se pode dizer, são personagens-objetos, não tem o poder mínimo de constituírem-se em sujeitos. São objetos do que o filme quer definir como paixão, mas que, percebemos, é obsessão.
Toda essa confusão conceitual é acarretada não por má-vontade dos realizadores ou por alguma pretensão de se seguir fórmulas que conquistem prêmios – embora tenha sido esse o efeito repercutido na cerimônia do Oscar de 2010 –, mas sim por uma mão extremamente pesada no que diz respeito ao apelo emocional do filme. O exagero sentimentalista levou à idealização, à idealização levou à perda de realismo, de verossimilhança, e finalmente, num paradoxo fatal, do apelo sentimental. Teríamos um filme em suma muito mais sensível e tocante se, sem nos perdermos em excessos ultra-românticos, dissecássemos o segredo de olhos nos quais brilhasse uma paixão verdadeiramente genuína, uma paixão que impulsionasse o brilho destes olhos independente do que eles estivessem fitando.

-Planos-sequência.
Vi-me obrigado a fazer um tópico somente e nada mais para mencionar os planos-sequência do filme, como o em que a câmera presa a um helicópetero sobrevoa o estádio do Racing Club, passando pelos jogadores até localizar o assassino; e o que se segue pouco depois, acompanhando a perseguição a este assinassino. Fantásticos. Ponto.

-Curiosidade:
"O segredo dos seus olhos" foi o maior sucesso nacional de bilheteria na Argentina em 35 anos: mais de 2,5 milhões de espectadores e arrecadação recorde de 8,5 milhões de dólares. O mesmo aconteceu na Espanha, com salas lotadas e elogios rasgados.



Prêmios:

OSCAR
Ganhou
Melhor Filme Estrangeiro

GOYA
Ganhou
Melhor Filme Estrangeiro em Espanhol
Melhor Revelação Feminina - Soledad Villamil

Indicações
Melhor Filme
Melhor Diretor - Juan José Campanella
Melhor Ator - Ricardo Darín
Melhor Fotografia
Melhor Direção de Arte
Melhor Trilha Sonora
Melhor Roteiro Adaptado

FESTIVAL DE HAVANA
Ganhou
Prêmio Especial do Júri
Melhor Filme - Voto Popular
Melhor Diretor - Juan José Campanella
Melhor Ator - Ricardo Darín
Melhor Trilha Sonora

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Ilha do Medo


• título original:Shutter Island
• gênero:Suspense
• duração:02 hs 28 min
• ano de lançamento:2010
• site oficial:http://www.shutterisland.com/
• estúdio:Paramount Pictures / Sikelia Productions / Phoenix Pictures / Hollywood Gang Productions / Appian Way
• distribuidora:Paramount Pictures
• direção: Martin Scorsese
• roteiro:Laeta Kalogridis, baseado em livro de Dennis Lehane
• produção:Brad Fischer, Mike Medavoy, Arnold Messer e Martin Scorsese
• fotografia:Robert Richardson
• direção de arte:Max Biscoe, Robert Guerra e Christian Ann Wilson
• figurino:Sandy Powell
• edição:Thelma Schoonmaker
• efeitos especiais:New Deal Studios / CafeFX / Gentle Giant Studios / Mark Rapaport Creature Effects
elenco:
• Leonardo DiCaprio (Teddy Daniels)
• Mark Ruffalo (Chuck Aule)
• Ben Kingsley (Dr. John Crawley)
• Emily Mortimer (Rachel Solando)
• Michelle Williams (Dolores Chanal)
• Max Von Sydow (Dr. Jeremiah Naehring)
• Jackie Earle Haley (George Noyce)
• Elias Koteas (Andrew Laeddis)
• Ted Levine (Warden)
• John Carroll Lynch (Deputado Warden McPherson)
• Christopher Denham (Peter Breene)
• Nellie Sciutto (Enfermeira Marino)
• Curtiss Cook (Trey Washington)
• Tom Kemp (Ward C. Guard)
• Drew Beasley (Henry)
• Joseph McKenna (Billings)
• Damian Zuk (Elijah Tookey)
• Patricia Clarkson
Nota: 8,0 (parâmetro/categoria: suspense)

O renomado Martin Scorsese atinge em Ilha do Medo um dos maiores picos de sua força criativa, de sua poesia e de sua intensidade formal. Tratando com muito respeito o tão delicado tema que perpassa incólume tantos anos na tradição do cinema clássico.

- O ciclo
O tema da loucura teve seu berço em 1919 no país que acabara de sair humilhado da primeira grande guerra do século XX. O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Weine, um clássico que marcará eternamente presença na estante de qualquer cinéfilo, é o filme pioneiro da vanguarda que marcou o cinema alemão, o expressionismo. Usando a estética do suspense, O Gabinete do Dr. Caligari é narrado sob o ponto de vista de um louco que delira uma conspiração contra ele; e no final da trama saímos de dentro de sua mente e percebemos o que realmente se passa.
Muito tempo depois, o tema da loucura atingiu seu ápice. O norte-americano Uma Mente Brilhante, de 2001, arrebatou os mais badalados prêmios do Oscar (filme, diretor e roteiro adaptado, além de melhor atriz coadjuvante para Jennifer Connelly), usando determinados aspectos da estética do suspense para narrar sob o ponto de vista de um esquizofrênico uma suposta conspiração; e no final da trama saímos de dentro da sua mente e percebemos o que realmente se passa.
Agora, em 2010, Martin Scorsese lança A Ilha do Medo. O ciclo se fecha.
E qualquer coisa que se faça sobre semelhante tema a partir de então se mostrará desnecessário ou minimamente artificial.


- A loucura no século XXI
A Ilha do Medo é construído com uma meticulosidade técnica imprescindível. Cada passagem, cada enquadramento, cada gesto dos atores é talhado de modo a transmitir a sensação exata. E assim Scorsese constrói uma atmosfera progressiva e gradual de tensão, de despertencimento, de absurdo, conforme faz e desfaz a teia de acontecimentos, conforme reconstrói cada perspectiva, brinca com referenciais e joga com a linearidade e a percepção dos fatos. Não é um filme que pretende passar algo; ele quer nos absorver para dentro dele, quer nos tornar seu protagonista. A cada tomada nos sentimos mais estupefatos, mais assustados, de fato mais loucos, mas ao mesmo tempo mais certos de nosso isolamento num mundo que, ele sim louco, transforma os poucos sãos em ilhas. Em ilhas de medo.
Pois, antes de ser um filme sobre loucura, trata-se de um filme sobre solidão – tema que Scorsese trabalha tão bem desde a obra-prima Taxi Driver. Fazendo uso de uma tétrica poesia, todo o universo que ampara o homem vai se desconstruindo, até que ele se vê não apenas só, mas perseguido, acuado. O homem moderno, frágil, totalmente incapaz de lidar com as próprias fraquezas. O homem que não aceita seu passado, não compreende seu presente e não se vê no futuro. O homem niilista. O homem com medo, aprisionado numa ilha donde não pode escapar: o mundo.
Na dicotomia que reluta em pousar a loucura sobre a sociedade ou sobre o indivíduo, Scorsese assume a postura dos que lhe legaram o cinema, mesmo que para isso se mostre sob certo aspecto conservador. Se o Dr. Caligari não é um diretor de hospício maníaco, mas um homem bom que quer ajudar seus pacientes, e se Weine não se preocupa em manter o tom anti-autoritarista tão essencial naquele pós-guerra, tampouco os diretores do hospício Ashecliffe são conspiradores que realizam experiências com os pacientes (ao estilo nazista); tampouco Scorsese preocupou-se em manter o tom anti-imperialista tão essencial neste pós-nada em que vivemos. Tratamos aqui, ironicamente, de um indivíduo louco num mundo são (voltarei a isso no próximo tópico).
Em certo sentido, pode-se dizer que A Ilha do Medo é o próprio Gabinete do Dr. Caligari do século XXI. Longe de ser um plágio; o fato é que o profundo impacto, ou melhor dir-se-ia espanto, causado no público naquele estágio inicial da arte cinematográfica é reproduzido com assustadora eficácia nesse que talvez seja o estágio final, fatal e derradeiro da arte cinematográfica. Hoje, após tantas décadas de desgaste e tanto ataque do cinema industrial, o cinema artístico sofre um processo de banalização devido ao qual uma projeção do Dr. Caligari não provocaria mais do que uma indiferença com algum toque de tédio. Quem quer ver um filme preto-e-branco, mudo, e ainda por cima vanguardista?
Nesse cenário, Scorsese recupera o espanto, a estranheza, numa obra que, com todos os recursos do seu século, consegue provocar num público que perdeu em empatia aquela mesma sensação de despertencimento que fez os alemães do pós-guerra se indagarem sobre os alicerces da própria lucidez. O filme de Scorsese nos torna sensitivos, faz-nos absorver sensações e traumas num mundo que quer domar nossa sanidade através da razão. Por que, afinal, não apenas acreditamos, mas aceitamos e nos solidarizamos com a loucura de Teddy Daniels (um sublime e espetacular Leonardo DiCaprio nunca imaginável nas épocas de Titanic) tão facilmente? Por que somos tão tendenciosos a compactuar com todo o seu delírio? Por que, mesmo no final, quando nos deslocamos de dentro da mente de Teddy para um plano onisciente, ainda assim relutamos em acreditar que aquilo tudo em que acreditamos era irreal? Por que relutamos tanto em sair da mente do louco?
Até que ponto vai nossa própria sanidade? Até que ponto somos racionais?


- Subjetividade e individualidade: concluindo.
São raras as obras que conseguem abordar determinado tema concomitantemente pela perspectiva social e pela individual. Não constituindo isso necessariamente um defeito, mas uma questão de enfoque, A Ilha do Medo, ao abordar loucura e solidão, é absolutamente complacente com o contexto social que torna os seres humanos loucos e solitários (afinal, não perdemos a sanidade propositalmente).
As origens da loucura de Teddy Daniels são domésticas, e não apenas domésticas, mas subjetivas. Assim, o enfoque individualista da loucura contrasta com a outra obra de Scorsese sobre semelhante tema: Taxi Driver, que retrata um homem cuja “solidão cercada por pessoas” no claustrofóbico ambiente de Nova York lhe tirou todos os resquícios de sanidade (os dois filmes se encontram apenas no protagonista veterano de guerra). E contrasta, por exemplo, com um Stanley Kubrick, O Iluminado, que acompanha a sanidade sendo desconstruída pelo ambiente social no qual o homem moderno se insere: amplo, com tantos espaços disponíveis, mas ao mesmo tempo sem nada para preenchê-los.
Assim, ao seu modo, A Ilha do Medo alcança algo que lhe é peculiar: mostrar ao homem moderno, a despeito do mundo que o cerca, a loucura que reside dentro dele. Todos nós, em algum momento de nossa vida interior, subjetiva e não-cronológica, todos nós afogamos nossos próprios filhos. E nos abortamos do mundo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Hanami - Cerejeiras em Flor


Título Original: Kirschbluten - Hanami.
Origem: Alemanha / França
Ano de lançamento: 2008
Site oficial: http://www.kirschblueten-film.de/
Direção: Doris Dorrie.
Roteiro: Doris Dorrie.
Produção: Harald Kugler e Molly Von Furstenberg.
Fotografia: Hanno Lentz.
Edição: Frank C. Muller e Inez Regnier.
Música: Claus Bantzer.
Elenco:
Elmar Wepper, Hannelore Elsner, Aya Irizuki, Maximilian Brückner, Nadja Uhl, Birgit Minichmayr, Felix Eitner, Floriane Daniel, Celine Tanneberger, Robert Döhlert, Tadashi Endo, Sarah Camp, Gerhard Wittmann e Veith von Fürstenberg.

Comentário(?) breve:

O que falar de Cerejeiras em Flor?
Essa não é uma mera pergunta introdutória. É uma dúvida cruel. Cerejeiras em Flor não é um filme sobre o qual se escreva, sobre o qual se reflita, sobre o qual se indague. Cerejeiras em Flor não é definitivamente um filme para o qual se dê nota. Cerejeiras em Flor é pura emoção, e por emoção não se leia metáfora, pois não há interpretações para tal metáfora. Cerejeiras em Flor é a história de um homem velho, um homem que amava sua esposa sem a compreender e sem a aceitar, um homem cujos filhos o amavam sem compreender-lhe e sem minimamente aceitá-lo, um homem que só conheceu sua esposa - através da arte - depois que esta morreu, quando ele já não podia imaginar onde ela estivesse – mesmo sabendo que ela estava em algum lugar –, mas antes de tudo um homem que nunca se conheceu, um homem que só foi compreendido por uma pessoa – uma pessoa que não foi sua esposa –, ou talvez por duas, mas nenhuma delas portadora de seu sangue ou de seu amor – talvez de sua paixão. Mas Cerejeiras em Flor não é um filme sobre paixão – menos ainda sobre amor; nem sobre a efemeridade em si mesma. É um filme sobre o quê?
Um filme sobre as cerejeiras em flor. Isso é uma metáfora? Não. É uma arte. É uma explosão – ou antes uma implosão.
Não vou falar sobre Cerejeiras em Flor. Não sei – e não me arrisco a tentar a – transcrever sentimentos que ainda não vivi.

Juno


• título original:Juno
• gênero:Comédia
• duração:01 hs 36 min
• ano de lançamento:2007
site oficial:http://www.foxsearchlight.com/juno
• estúdio:Fox Searchlight Pictures / Mandate Pictures / Mr. Mudd
• distribuidora:Fox Searchlight Pictures
• direção: Jason Reitman
• roteiro:Diablo Cody
• produção:Lianne Halfon, John Malkovich, Mason Novick e Russell Smith
• música:Matt Messina
• fotografia:Eric Steelberg
• direção de arte:Michael Diner e Catherine Schroer
• figurino:Monique Prudhomme
• edição:Dana E. Glauberman
elenco:
• Ellen Page (Juno MacGuff)
• Michael Cera (Paulie Bleeker)
• Jennifer Garner (Vanessa Loring)
• Jason Bateman (Mark Loring)
• Allison Janney (Bren MacGuff)
• J.K. Simmons (Mac MacGuff)
• Olivia Thirlby (Leah)
• Eileen Pedde (Gerta Rauss)
• Rainn Wilson (Rollo)
• Daniel Clark (Steve Rendazo)
• Darla Vandenbossche (Mãe de Bleeker)
• Aman Johal (Vijay)
• Valerie Tian (Su-Chin)
Nota: 4,8 (categoria/parâmetro: drama leve)

Nada mais do que um ótimo filme despretensioso para tardes chuvosas, Juno conseguiu grande sucesso entre o público adolescente. Diz-se dele que é pouco convencional, já que, longe de retratar a tão maçante elite juvenil, o garotão de corpo moldado por anabolizantes e a menina de corpo moldado por navalhas, ambos extrovertidos e descolados, longe de buscar bilheteria através de clichês dos filmes teens, corpos impudicos, imoralidades, músicas badaladas e um humor que não podemos nem chamar de negro (porque isso seria um incabível elogio), mas talvez de marrom; longe de tudo isso, Juno retrata uma garota absurdamente normal (sim, ela é estranha, mas ela é tão normal exatamente por ser estranha) e um garoto mais normal ainda que fazem sexo uma vez (com toda a naturalidade que é cabível a isso, ou seja, o sexo é visto sob uma perspectiva amoral). Além disso, o ambiente familiar é coeso à nossa era; pais separados, uma madrasta que não é retratada de modo tirânico, não há idealização, não há sentimentalismo exacerbado, tudo é mostrado com a devida leveza e com uma boa dose do clássico rock’n roll. Filmes trash e cultura pop dão o contorno a essa obra que, de tão fora dos eixos, consegue estar muito mais dentro dos eixos do que tantos filmes que abordam semelhante contexto.
De fato, todos esses elogios são válidos. E eu acrescentaria até mais; realçaria alguns momentos preciosos, como quando Juno está na clínica de aborto e se sente transtornada com o fato de todos a sua volta estarem fazendo algo com as suas unhas – afinal, seu bebê já tem unhas nos dedos! –, ou alguma passagem pouco convencional do ponto de vista formal, como quando Juno descreve o secreto desejo dos garotões pop por moças estranhas, e assistimos a transformação de uma moça pop numa moça estranha através de efeitos da edição.
Contudo, nada disso impede, e em certo nível até ajuda, que Juno se finde em nada mais que um filme despretensioso para tardes chuvosas. Enquanto ganha pontos única e exclusivamente por seu carisma, perde pontos pelo que falta de mais essencial: conteúdo. E profundidade.
O tema da gravidez na adolescência é demasiado delicado, mas tamanha delicadeza não pode poupá-lo do que ele tem de denso. Nesse caso, perde-se em realismo: mesmo que não nos defrontemos com idealizações ou sentimentalismo, nos deparamos perante um filme romântico; um tipo diferente de romantismo. Não é um romantismo que nos quer verter lágrimas, mas sim que, confrontando-nos com nada mais que a superfície de uma questão, nos sussurra ao ouvido: está tudo bem. Mas Juno está grávida. Não está tudo bem.
Entendem o que quero dizer? Juno não parece estar grávida. Nem seu pai a vê como grávida. De fato, ela não está grávida, está “com uma coisa na barriga”. E, quanto mais a projeção vai passando, mais o tema propriamente dito da gravidez vai ficando secundário, cedendo lugar ao ingênuo – porém carismático – amor juvenil, infelizmente não paixão, mas esse amor delicado que une Juno a Bleeker e a faz acreditar que duas pessoas “podem ficar juntas para sempre”. Tudo isso é muito bonito, e quiçá é até mesmo muito sincero; porém é superficial. Os sentimentos humanos, e mais, os complexos e impenetráveis sentimentos juvenis, são abordados como tábuas rasas, são encarados com a simplicidade de contos de fada. E mesmo que os Loring, os pais adotivos, representem uma ramificação realista do enredo, eles nada mais servem que de suporte para a artificialidade pueril do mundo de Juno.
Se Juno é um filme que acerta por não transformar a gravidez na adolescência em um dramalhão, é um filme que peca pelo extremo oposto, ao transformar a gravidez na adolescência em uma história de amor. E se consegue com isso ser extremamente carismático, encantar jovens e provocar-lhes uma profunda empatia, consegue também naturalizar o que de fato é uma aberração.
Gravidez na adolescência não é um tema para tardes chuvosas.

prêmios:

OSCAR
Ganhou
Melhor Roteiro Original

Indicações
Melhor Filme
Melhor Diretor - Jason Reitman
Melhor Atriz - Ellen Page

GLOBO DE OURO
Indicações
Melhor Filme - Comédia/Musical
Melhor Atriz - Comédia/Musical - Ellen Page
Melhor Roteiro

BAFTA
Ganhou
Melhor Roteiro Original

Indicação
Melhor Atriz - Ellen Page

INDEPENDENT SPIRIT AWARDS
Indicações
Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Atriz - Ellen Page
Melhor Roteiro de Estreia

FESTIVAL DE ESTOCOLMO
Ganhou
Prêmio do Público

FESTIVAL DE GIJÓN
Ganhou
Prêmio Especial do Júri Jovem

sábado, 3 de abril de 2010

A Fita Branca


• título original:Das Weisse Band - Eine Deutsche Kindergeschichte
• gênero:Drama
• duração:02 hs 24 min
• ano de lançamento:2009
• site oficial:http://www.lerubanblanc.com/
• estúdio:Wega Film / X-Filme Creative Pool / Lucky Red / Les Films du Losange / Austrian Film Institute / Mini-Traité Franco-Canadien / Medienboard Berlin-Brandenburg / Mitteldeutsche Medienförderung / German Federal Film Board / Deutsche Filmförderfonds / Vien
• distribuidora:Sony Pictures Classics / Imovision
• direção: Michael Haneke
• roteiro:Michael Haneke
• produção:Stefan Arndt, Veit Heiduschka, Michael Katz, Margaret Ménégoz e Andrea Occhipinti
• fotografia:Christian Berger
• direção de arte:Anja Müller
• figurino:Moidele Bickel
• edição:Monika Willi
• efeitos especiais:LISTO Videofilm
elenco:
• Susanne Lothar (Esposa)
• Ulrich Tukur (Barão)
• Burghart Klaubner (Pastor)
• Josef Bierbichler (Camareiro)
• Marisa Growaldt (Fazendeira)
• Christian Friedel (Professor)
• Leonie Benesch (Eva)
• Ursina Landi (Baronesa Marie-Luise)
• Steffi Kühnert (Anna)
• Gabriela Maria Schmeide (Emma)
• Rainer Bock (Médico)
• Maria-Victoria Dragus (Klara)
• Leonard Proxauf (Martin)
• Janina Fautz (Erna)
• Michael Kranz (Hauslehrer)
• Levin Henning (Adolf)
• Thibault Sérié (Gustav)
• Enno Trebs (Georg)
• Theo Trebs (Ferdinand)
• Sebastian Hülk (Max)
• Kai-Peter Malina (Karl)
• Aaron Denkel (Kurti)
• Anne-Kathrin Gummich (Mãe de Eva)
• Detlev Buck (Pai de Eva)
• Ernst Jacobi (Narrador)
• Birgit Minichmayr (Frieda)
Nota: 9,2 (parâmetro/categoria: drama pesado)

Não é originalidade minha dizer que a primeira coisa a se ressaltar em A Fita Branca é sua fotografia. Mas de fato, a inserção daquela pequena comunidade em uma atmosfera P&B, além da atuação impecável de cada um dos atores, nos proporciona minuciosamente a absorção pra dentro desta comunidade, daquele ambiente dissimulado, que passa tensão nas entrelinhas, que é aparentemente banal mas que talvez – segundo algumas interpretações – guarde em si o embrião de uma bomba – o nazismo.

- Estudo antropológico
A Fita Branca tem semelhanças contundentes com um clássico do cinema, o maravilhoso Dogville, de Lars von Trier.
Ambos os filmes transportam o macrocosmo que é uma civilização para o microcosmo que é uma pequena vila. Ambos os filmes retratam essa personificação de forma intrinsecamente pessimista, desnudando a crueldade da alma humana – em suas respectivas contextualizações. Ambos retratam as dissimulações, evidenciando o que se esconde por trás do véu de éticas e morais dos habitantes simples da pequena comunidade. Ambos nos mergulham em uma atmosfera lúgubre e tensa – utilizando em sua construção recursos formais bem peculiares: Lars von Trier com seu cenário minimalista e Michael Haneke com sua fotografia P&B e formato quase que documental.
Contudo há diferenças. Aquele é mais vanguardista: envolto em poesia, construção de metáforas e uma linguagem mais espontânea. Este é mais técnico. Tem pretensões antropológicas. Ele busca respostas.
Ele as consegue?

- O homem é o lobo do homem
Encantei-me com A Fita Branca por enxergar nele um libelo contra a educação repressiva e moralista que guarda em si tantas hipocrisias. Desde o pastor tão profundamente maniqueísta, que vê em tudo formas de expressão do pecado e da não-pureza, mesmo a expressão da sexualidade latente de seu filho na fase da puberdade – o garoto tem as mãos amarradas para que não se masturbe, pois um certo garoto que se masturbara supostamente acabara morrendo. Até o médico que, talvez não controlando um quê de culpa pela morte da mulher pela qual não conseguia demonstrar amor, assedia sexualmente sua filha, esta que é “tão parecida com a mãe”. Passando pelo professor que, ingênuo demais para exteriorizar tal crueldade – além de ser o narrador, motivo que torna sua personalidade unilateral e impecável (no estilo de Dom Casmurro) –, nutre um egoísmo que sua narrativa é incapaz de esconder, egoísmo esse que faz com que de fato não se importe com todos os absurdos que estão acontecendo ao seu redor, limitando-se a cuidar da própria vida – cortejar sua amada, acabar lutando na guerra, ir morar na cidade e nunca mais ver o povo da comunidade – e a analisar os fatos com um distanciamento acadêmico – uma mera curiosidade que não é o suficiente para fazê-lo ir adiante em sua denúncia quando, ao final, descobre os responsáveis pelos crimes.
Encantei-me com A Fita Branca pela metáfora que insere em seu título – a fita branca, da cor da pureza, é atada às crianças pecadoras para que não se esqueçam o que é esperado delas. A fita branca que é tirada das crianças quando estas já são julgadas puras, quando elas podem enfim agregar-se socialmente. A fita branca que novamente deve ser atada, ao livre critério do pastor e de sua leitura maniqueísta do contrato social. A fita branca é o símbolo de tudo o que aquela pequena comunidade representa. O objeto que, sendo um rótulo, um representativo da castidade, da boa moral e dos bons costumes, oculta o que há de mais opressor, oculta o autoridade, a hierarquia, a imposição social, a restrição da liberdade individual. A fita branca atada às crianças tem o mesmo valor que uma algema. Uma corrente. É um filme iconoclasta. E mais que iconoclasta, anticlerical. Mais que anticlerical, anti-autoritarista. Anti-fundamentalista. Um filme quase anárquico.
E encantei-me com A Fita Branca por mostrar, enfim, o resultado dessa educação tradicional. Mostrar que ela gera não crianças militarizadas, intrinsecamente fiéis à hierarquia, puras e assexuais. Mas faz com que todos os desejos reprimidos, todos os anseios que acompanham inevitavelmente a natureza humana, toda a perversidade da qual nos falou Freud, todo o instinto animal não simplesmente sumam, mas se encolham e se aglomerem de um modo progressivo, ficando latentes, até que a pressão seja demasiada e enfim tudo exploda, voando cacos para todas as direções. Poderíamos, sob outro sistema educacional, talvez amenizar o que temos de mais rudimentar afim de se estabelecer um contrato social estável, mas é impossível, conformem desejam os educadores da fita branca, suprimir e fazer desaparecer o que temos de mais rudimentar afim de criar seres humanos robotizados. A educação opressora guarda em si seu antagonismo (ainda mais quando os próprios educadores são de forma dissimulada tudo o que combatem), e não gera robôs, mas seu oposto: gera monstros. Gera lobos. É o homem de Thomas Hobbes levado às últimas consequências.
Sim. Michael Haneke consegue suas respostas.

-Suas próprias palavras
Aqui entram algumas divergências. Claro que, curioso insaciável que sou, não bastei a Fita Branca ao meu encanto. Fui buscar coisas para ler sobre o filme.
E deparei-me com muita gente dizendo que o filme era uma parábola sobre o surgimento do nazismo. As crianças seriam os futuros nazistas. Quê? Eu não tinha “pegado” nada disso.
Ou seja – deduzo –, se Lars von Trier faz um estudo sobre a sociedade norte-americana, Michael Haneke faz um estudo sobre o nazismo alemão. Será mesmo?
João Pereira Coutinho, da Folha, chega mesmo a afirmar que A Fita Branca reduz o nazismo a um problema de autoestima alemão. E que, colocando um nazista como vítima, o absolveria de seus crimes.
Mesmo sob esse viés, aceitando o filme como uma parábola, o fato é que explicar que uma mentalidade perversa não surge do nada, mas tem uma raiz social, não significa absolvê-la. Significa extraí-la do maniqueísmo romântico segundo o qual o mal é o puro mal apenas por ser o mal e nada mais que o mal, e inseri-la num contexto plurilateral a partir do qual, partindo de determinadas tendências acadêmicas, se buscará uma maior compreensão histórica das respectivas ações humanas. Compreensão que extravasa moralismos e a necessidade insaciável de se estar sempre julgando as coisas, se colocando no patamar de classificá-las entre certas e erradas.
Mas mesmo assim, não pude deixar de pensar que a tendência de relacionar qualquer coisa vinculada à Alemanha com nazismo é até hoje algo incurável. Para minha sorte, achei na internet – no site da ig – as palavras do próprio diretor:
“Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. E isso ajuda àqueles que não têm possibilidade alguma de se defender de seguir essa ideologia como uma forma de escapar da própria miséria. E este não é um problema só do fascismo da direita. Também vale para o fascismo da esquerda e para o fascismo religioso. Você poderia fazer o mesmo filme – de uma forma totalmente diferente, é claro – sobre os islâmicos de hoje. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.” (http://colunistas.ig.com.br/mauriciostycer/2009/10/24/as-raizes-do-mal-haneke-explica-%E2%80%9Ca-fita-branca%E2%80%9D/)

A problemática do filme não é localizada, mas universal. O filme que venceu a Palma de Ouro em Cannes – tirando de cena um Tarantino e um Almodóvar – talvez seja mais complexo do que parece.


prêmios:

OSCAR
Indicações
Melhor Filme Estrangeiro
Melhor Fotografia

GLOBO DE OURO
Ganhou
Melhor Filme Estrangeiro

BAFTA
Indicação
Melhor Filme Estrangeiro

FESTIVAL DE CANNES
Ganhou
Palma de Ouro
Prêmio FIPRESCI

FESTIVAL DE SAN SEBASTIÁN
Ganhou
Prêmio FIPRESCI