terça-feira, 2 de março de 2010

Lula, o filho do Brasil


• título original:Lula, o Filho do Brasil
• gênero:Drama
• duração:02 hs 08 min
• ano de lançamento:2010
• site oficial:http://www.lulaofilhodobrasil.com.br
• estúdio:LC Barreto / Filmes do Equador / Intervídeo Digital / Globo Filmes
• distribuidora:Downtown Filmes / Europa Filmes
• direção: Fábio Barreto
• roteiro:Daniel Tendler, Denise Paraná e Fernando Bonassi, baseado em livro de Denise Paraná
• produção:Paula Barreto e Rômulo Marinho Jr.
• música:Antônio Pinto e Jacques Morelembaum
• fotografia:Gustavo Hadba
• direção de arte:Clóvis Bueno
• figurino:Cristina Camargo
• edição:Letícia Giffoni
elenco:
• Rui Ricardo Diaz (Lula - 18 aos 35 anos)
• Glória Pires (D. Lindu)
• Cleo Pires (Lurdes)
• Milhem Cortaz (Aristides)
• Juliana Baroni (Marisa Letícia)
• Lucélia Santos (Professora)
• Antônio Pitanga (Sr. Cristóvão)
• Celso Frateschi (Sr. Álvaro)
• Marcos Cesana (Cláudio Feitosa)
• Sóstenes Vidal (Ziza)
• Antonio Saboia (Vavá)
• Clayton Mariano (Lambari)
• Eduardo Acaiabe (Geraldão)
• Marat Descartes (Arnaldo)
• Nei Piacentini (Dr. Miguel)
• Felipe Falanga (Lula - 7 anos)
• Guilherme Tortolio (Lula - 15 anos)
• Luccas Papp (Lambari - 15 anos)
• Vanessa Bizarro (Lurdes - 13 anos)
• Maicon Gouveia (Jaime)
• Fernando Alvez Pinto (Jornalista)
• Rayana Carvalho (D. Mocinha)
• Jonas Melo (Tosinho)
• Mariah Teixeira (Marinete)
• Fernanda Laranjeira (Tiana)
Nota: 2,0 (parâmetro/categoria: épico)

Clássico de Massa: expressão por mim criada (ou não), referente a grandes sucessos comerciais da era de ouro de Hollywood que são geralmente vazios e regidos por determinadas fórmulas

Lula foi um filme que honestamente deu o que falar. Os órgãos de comunicação bombardearam suas opiniões, louvores, acusações, teses. Não apenas por ser um filme sobre o presidente, mas pelo significado que esse presidente assume, ou pelo que ele pode assumir.
Essa crítica será diferente. Antes de esboçar minha opinião, farei uma breve retrospectiva do palavratório de alguns meios de comunicação.


-A Folha
Vou comentar um pouco a Folha de São Paulo. Ao todo contei – e separei – nove textos, entre críticas, artigos, meras citações e uma carta de leitor que adicionei ao acervo. Muita polêmica para um filme só... ou quiçá o filme seja polêmico de fato.
Com a pré-estréia no festival de Brasília chegaram as primeiras críticas. Em 19 de novembro de 2009 (o filme só estrearia no circuito comercial no dia do ano novo), Fernando de Barros e Silva já apontava os “clichês” e as “interpretações fracas”, reclamando até mesmo da postura indiscreta do produtor Luiz Carlos Barreto na ocasião do evento (ele alertou que devido à superlotação todos corriam risco de vida e pediu que os corredores fossem esvaziados) e da falta de educação de seu filho, o diretor Fábio Barreto (que disse que vai se aposentar depois desse filme), que pediu assentos livres para os atores poderem sentar. O filme foi acusado de didático, edificante, infantilizante: a vida única de Lula foi transformada em vida exemplar. Ainda por cima, um sindicalista dos anos 70 teria saudado no filme um bar “cheio de brameiros” numa época em que tal expressão não existia.
De tudo isso o que mais me chamou a atenção foi uma percepção muito sagaz. A moral da história não é salpicada ao longo da trama pelas falas sentimentalistas-clichês da mãe de Lula por acaso. Com esse filme, o lulismo recebeu a bênção materna.
Mas apesar de qualquer coisa a expectativa continuou grande; os colunistas não silenciaram. Em 22 de novembro de 2009, mais de um mês antes da estréia de “Lula”, José Simão, com seu humor de uma inteligência surpreendente, já “esculhambava”. “Lula, o filho do Shrek” foi o título de seu artigo. Segundo ele, filme conta a história de um ogro que “não tem um dedinho e no final com a Fiona”. Claro que também há a versão alternativa de “Lula, o filho do barril”. O humor sagaz e nenhum pouco estereotípico de Simão sempre arrancando risadas de todos.
“Um amigo me disse que só vai assistir ao filme do Lula se ele morrer no final! E um outro disse que o filme acaba mal: no final ele vira presidente”. Ok, José Simão não é sempre tão sem-graça. Tem lá suas pérolas.
Mas no dia 27 de novembro a Folha estava realmente inspirada. Lançou três diferentes artigos: uma entrevista com a escritora do livro, Denise Paraná (que aproveitou o espaço para defesa para afirmar que da síntese feita da vida sindical do Lula o essencial foi mantido, que o filme não engana ninguém porque não é um documentário, mas uma ficção com foco no “drama familiar”, e que é um filme para o povo, não para intelectuais, entre outros argumentos), um texto com um quadro comparativo opondo dados verídicos da vida de Lula registrados no livro e sua versão no cinema (alguns fatos não foram levados à tela, como quando Lula ameaçou cortar ajuda médica de sindicalizado que não fosse à assembléia, quando ele se reuniu com o comandante do II Exército, Dilermando Monteiro, em 78, e quando no mesmo ano ele já lançou a idéia de um “partido de trabalhadores”, etc), e o mais inspirado de todos, um depoimento de um preso político da ditadura que, escapando de qualquer tipo de assédio sexual (algo muito comum na prisão), consternou-se ao ouvir, em 1994, a fluente narrativa de Lula sobre como tentara violentar um preso nos 30 dias em que ficara detido. Em um bonito momento do depoimento, ele homenageia seus companheiros de prisão que lhe respeitaram e mesmo lhe ajudaram, segundo ele os “autênticos filhos do Brasil”, terminando por afirmar que sequer assistirá o filme. Quem escreveu esse texto foi César Benjamin
Dia 6 de dezembro a perspicácia de Simão está de volta. Na verdade o novo filme do Lula é o “Planeta 51” (ou “filho do barril”, piada que ele repete). Bacana!
Finalmente, no dia primeiro de janeiro de 2010, data de lançamento do filme nos cinemas, o colunista Inácio Araujo, cujas críticas tenho a infeliz tendência de achar superficiais, publicou um texto bastante interessante comparando o filme do Lula com o filme de Vidas Secas, de 1964, que também conta com a presença de Luiz Carlos Barreto nos bastidores. Segundo ele, se no filme-marco do cinema novo a trajetória Nordeste-Sudeste é apresentada com o intuito de revelar o país e instigar transformações, revoluções, no filme atual a mesma trajetória é apresentada como farsa; fórmulas fáceis para envolver e comover o espectador, sem, é claro, instigar-lhe muita reflexão. Um filme que inspiraria conformismo, o que, apesar de para mim soar um pouco contraditório, tratando-se de um história de esforço individual, é uma tese bastante coerente, pois de fato a estética usada é capaz de amansar qualquer esforço coletivo.
Ainda assim, Araújo afirma não ser um filme de campanha (apesar de ser “um filme feito para o êxito, como as campanhas”).
No dia 3 de fevereiro já havia leitor comentando o filme (talvez até mesmo houvesse antes e eu não tenha visto). João Wesley de Queiroz, de São Paulo, foi um pouco infeliz ao afirmar genericamente que a fantástica trajetória de Lula cedeu lugar à falta de talento de Fábio Barreto (ele não deve ter assistido O Quatrilho). E ainda um pouco mais infeliz dizendo que quem gosta de Lula são os que têm baixo poder aquisitivo e que, portanto, não vão ao cinema. Ele esqueceu dos banqueiros.

-A opinião dos extremos
A Veja não deixou de publicar suas impressões sobre esse filme tão badalado. Uma longa matéria, com direito ao quadro comparativo (vida real x filme), um texto assustadoramente apelativo comparando o Lula de Fábio Barreto a Jesus Cristo (ok, acho que não chegamos a tanto ainda), e um artigo mais apelativo ainda, pra não dizer sensacionalista, em que Diogo Mainardi consegue, através de uma mirabolância histórica, a proeza de elevar Lula a Benito Mussolini. Estamos quase lá!
Enquanto isso, o Opinião Socialista, jornal obviamente de esquerda, publicado pelo PSTU, lança o artigo do colunista Diego Cruz, que apontou alguns dados convenientes (e nada neutros) para o embate propaganda eleitoral disfarçada x épico despretensioso.
- O diretor pediu autorização pessoalmente para Lula para a realização do filme e lhe levou o roteiro final para aprovação.
- O irmão do Lula, frei Chico, acompanhou as filmagens.
- Ministros e o publicitário Duda Mendonça verificaram a primeira versão do filme e deram sugestões.
- O produtor não precisou solicitar qualquer subsídio oficial para o filme, pois obteve recurso de grandes empresas e multinacionais que têm negócios com o governo federal, como a Volksvagen, Souza Cruz, Hyunday, Oi, CPFL, AmBev, EBX e empreiteiras como Camargo Corrêa, OAS e Odebrecht.
O Opinião ainda aponta aspectos interessantes do filme, como por exemplo mostrar como se deu a aproximação de Lula com a vida sindical, contudo faz um crítica feroz: o filme pula de Lula preso no DOPS para Lula presidente para ocultar os anos de adaptação do PT até as eleições de 2002, cuja campanha foi financiada pelos grandes bancos e empresas contra os quais ele lutava na década de 70. Além disso, o filme, além de mitificar a imagem de Lula (conforme tantos já acusaram), mitifica a união entre empresários e trabalhadores, em lugar do confronto entre capital e trabalho, que é mascarado.

-O que há de comum
Comparamos um órgão de comunicação de extrema direita, um de extrema esquerda, e um que tende um pouco para a direita mas que podemos considerar quase centro. Singularmente, o que há de comum em todos eles?
Todos falam mal do filme.
Mas todos falam mal propriamente do filme, sobre a qualidade do filme, ou falam mal sobre as pretensões políticas que se escondem por trás dele? Embora apenas o crítico do Opinião Socialista tenha deixado isso claro, é óbvia a segunda opção.
E o que isso significa? Lula está com baixa cotação no eleitorado brasileiro? É claro que não!
Significa uma óbvia projeção no microcosmo que é o mundo cinematográfico do que acontece no macrocosmo que é a política brasileira. Enquanto a classe média arreganha os dentes para falar mal de Lula, as classes baixa e alta lhe aprovam em silêncio: esta com toda a sua corrupção e aquela com toda a sua ingenuidade. Denise Paraná foi sincera afirmando que é um filme para as massas. A reclamação de intelectuais, se é relevante em um projeto artístico, nesse caso não tem mais efeito do que zumbido de mosca.

-O que há a acrescentar...
Após tanta badalação, pergunto-me, pobre de mim, o que há a acrescentar? Poderia eu escrever uma crítica que realmente dissesse algo novo, poderia trazer algo diferente?
Eu tenho uma filosofia de não ler nem prestar atenção em absolutamente nada sobre algum filme ou livro antes de assisti-lo ou lê-lo, para não ser influenciado. Assim, fui juntando todos os textos que mencionei acima, sem lê-los. Assisti o filme e eis que, quando pus-me a lê-los, fui me deparando com coisas que eu já tinha pensado, ou coisas que eu teria pensado caso tivesse suficiente informação. Eu chamaria Lula, o filho do Brasil de didático, edificante, infantilizante, caso Fernando de Barros e Silva já não o tivesse feito. Mas eu não teria sua perspicácia de perceber como tão sutilmente o filme incutiu ao lulismo a bênção materna, essa que é tão valiosa na moral contemporânea, cuja estética básica é a família tradicional burguesa.
É óbvio também, como ele afirmou, que o filme está permeado de clichês, mas discordo intimamente quanto às más atuações, principalmente quanto à acusação dirigida a Milhem Cortaz, que faz Aristides, o pai de Lula. Tudo bem que Glória Pires não esteja lá grande coisa, para mim isso não destoa da maioria dos papéis que ela geralmente faz. Mas se tem um motivo pelo qual me simpatizei tanto pelo filme nos momentos iniciais (até que a família foge de Aristides e ele não aparece mais), é a atuação sensível de Cortaz – uma passagem chega a emocionar, quando a câmera em close foca o contraste entre a pinga que escorre da boca de Aristides e a lágrima que escorre de Lula criança. Se o personagem que Fábio Barreto levou à tela é caricato, Cortaz é o único responsável por lhe transmitir algo de humano.
Eu não teria a impressionante sagacidade de denominar Lula o filho do barril, Jesus Cristo ou fascista. Mas já deduzira serem óbvias as discrepâncias históricas. E discordo de Araújo apenas sobre o filme não ser de campanha: O Opinião Socialista provou que ele é (Lula, o filho do Brasil é tão pouco político e tão muito melodrama épico, conforme afirmou Fábio Barreto, quanto o escravista “...E o vento levou”). Aliás, eu afirmaria com muito empenho que o filme comeu uma fase importante do Lula de propósito, caso este jornal já não o tivesse feito. E, finalmente, quando este mesmo diz que o filme enfoca o esforço individual e o pragmatismo em detrimento da luta de classes, lembro-me de um importante paralelo, o hollywoodiano À Procura da Felicidade. Lula é a versão brasileira do personagem de Will Smith, e mais que brasileiro, nordestino: é o sonho americano levado às últimas consequências. A luta pela ascensão na pirâmide social nunca camuflou tanto e de modo tão eficaz qualquer pretensão ou mero desejo reprimido pela desintegração da pirâmide social.
Nas minhas próprias palavras: um épico romântico, moralista e burguês, um filme doutrinante, um futuro Clássico de Massa. Acrescentei alguma coisa? Acho que não. Mas no atual contexto em que tudo isso se insere, o único modo de ser original seria elevar essa hipocrisia, essa artimanha política a patamar de arte, a patamar de cinema. Isso eu não sou capaz de fazer.


Fábio Barreto pode se aposentar em paz.

3 comentários:

  1. A-rá!! Eu também falei que parecia "Vidas Secas"

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  2. Você se deu o trabalho de assistir? MURILO --'
    que feio.
    tantos filmes bons, eu te recomendei um também, e você vai e me assiste LULA?
    --'
    é pra chorar, de verdade.
    é o tipo de filme que você ignora. despresa ou faz como eu fiz com um jornal HORRIVEL que tive que ler para fazer um trabalho. pisa em cima. pula. esmaga. cuspe. e satisfeito com a violencia. deixa o largado a um canto. --'

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  3. Não só assisti como fiz um puta estudo detalhado em cima do filme

    Oras você me conhece! Eu nunca falaria mal de NADA sem conhecer antes
    E eu sempre procurarei ter críticas consistentes e fundamentadas com tudo que é relacionado a cinema...
    E além disso, na verdade eu assisti o filme do Lula faz tempo. Só que como estou absolutamente sem tempo pra nada estou enrolando muito pra postar meus textos no blog... o que é muito triste... vou procurar pelo menos adicionar um texto cada sexta-feira (e pensar na quantidade de textos que adicionei em fevereiro...)

    Beijos minha cara amiga!

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