domingo, 22 de agosto de 2010

Último tango em Paris

A todos que prometi uma crítica de "Antes da Revolução" (segundo filme de Bertolucci e segundo filme de nosso cineclub), peço minhas desculpas: por problemas técnicos não conseguir assisti-lo novamente (a cópia pirata simplesmente rodou no meu computador sem som), de modo que não tive como fazer a crítica por hora. Como modo de humildemente me redimir a todos vocês, escrevi sobre essa que é outra obra-prima essencial desse belíssimo cineasta italiano - obra-prima que, infelizmente, não assistiremos no cineclub simplesmente por falta de tempo. Aos que não viram esse filme, recomendo fortemente que vejam, para uma visão mais ampla de Bertolucci do que a que o cineclub lhes proporcionará. E,claro, aguardem a crítica de Antes da Revolução, que virá em breve! (já encomendei o filme pela internet!)
Muito obrigado!


• título original:Ultimo Tango a Parigi
• gênero:Drama
• duração:02 hs 03 min
• ano de lançamento:1972
• estúdio:Les Productions Artistes Associés / Produzioni Europee Associati
• distribuidora:United Artists
• direção: Bernardo Bertolucci
• roteiro:Bernardo Bertolucci e Franco Arcalli, baseado em estória de Bernardo Bertolucci
produção:Alberto Grimaldi
• música:Gato Barbieri
• fotografia:Vittorio Storaro
• figurino:Gitt Magrini
• edição:Franco Arcalli e Roberto Perpignani
elenco:
• Marlon Brando (Paul)
• Maria Schneider (Jeanne)
• Maria Michi (Mãe de Rosa)
• Giovanna Galletti (Prostituta)
• Gitt Magrini (Mãe de Jeanne)
• Catherine Allégret (Catherine)
• Luce Marquand (Olympia)
• Marie-Hélène Breillat (Monique)
• Catherine Breillat (Mouchette)
• Jean-Pierre Léaud (Tom)
• Massimo Girotti (Marcel)
• Veronica Lazar (Rosa)
• Rachel Kesterber (Christine)
Nota: 10,0 (parâmetro/categoria: drama intimista)

Talvez a principal pergunta que se deva dirigir a essa linda obra poética de Bertolucci seja: aquele apartamento vazio, sem móveis, sem história, sem passado ou futuro, seria o refúgio onde os protagonistas vão se esconder da vida – um mero escape – ou seria a própria vida deles – a vida sincera e transbordante que eles nunca veriam do lado de fora? Evidentemente não se trata de uma pergunta a ser respondida; quem sabe não seja mesmo a pergunta que norteie uma análise mais profissional – como é digno de Bertolucci, a psicanálise permeia todo o filme, mas está muito além de mim encaixar uma obra-prima em uma teoria – que por hora não compreendo. Todavia, essa pergunta sussurrou-me suas angústias de modo suficientemente perturbador para que eu resolva explorá-la – sem respondê-la – a fim de escrever essa que talvez seja a mais pessoal dentre as críticas aqui trabalhadas – e não sei ao menos se posso chamá-la crítica, se isso melhor denominar-se-ia uma exposição, um externamento de sentimentos e sensações, ou se, afinal, não lhe cabe nome algum, do mesmo modo que nome algum cabia àqueles sutis e carregados personagens de Marlon Brando e Maria Schneider.
Dentro daquele apartamento tudo é relevante; lá não há excessos, por mais exagerado que seja o ambiente. Tudo o que seria excessivo foi descartado, estejamos falando seja de mobília, seja de nomes – o que nos leva a pensar que talvez o único modo de conhecer uma pessoa seja não a conhecendo; o mistério cria um contexto de intimidade desnuda onde não há nada a se esconder, por mais que todo o resto esteja escondido. Provavelmente o que estou tentando dizer é que, sem se esconderem atrás de um nome, de uma reputação, de um voto de amor ou de amizade; sem se esconderem mesmo atrás de um passado, é possível aos personagens desnudarem sem constrangimento o que realmente são – e esconderem atrás de si seu nome, seu amor, seu passado. Por mais que haja perguntas a serem feitas, não há respostas a serem dadas.
Parece que estamos em um lugar onde as instituições não chegam, onde não há coerção; e o sexo, como expressão máxima da vontade, como expressão mesma do Indivíduo, explode com total naturalidade desde a primeira cena em que os personagens se encontram no apartamento.
Por outro lado, o apartamento não é um lugar feliz. Parece que os personagens retornam sempre pra lá em busca de algo que não encontram – e de fato, eles acabam se prendendo a este lugar de modo até obsessivo. O apartamento é só um espaço, e como um espaço, parece que lá falta alguma coisa. Alguma coisa além das mobílias. Assim como nos personagens falta algo além de seu nome e seu passado.
Lá fora, eles ganham nome. Jeanne tem um noivo (Jean-Pierre Léaud), um noivo que quer transformar o amor deles em cinema. O que talvez seja a metáfora mais completa que alguém já tenha encontrado para expressar a artificialidade dos relacionamentos – pelo menos dos relacionamentos convencionais, aqueles que se passam “do lado de fora”. Ouvimos sempre falar na brutal diferença que distancia um beijo cinematográfico de um beijo real. Então: todos os beijos que ele dá em Jeanne são cinematográficos. Seu reencontro, suas declarações de amor, até seu pedido de casamento: tudo é cinema, é arte, é atuação. É tudo como se fosse uma reprodução, uma imagem, uma representação. A questão não é apenas não ser autêntico ou não ser sincero, é muito mais: é que tudo o que eles sentem só pode ser sentido através da lente de uma câmera.
Se o cinema representa a vida, o amor deles representa o amor deles. Em última análise, tudo o que eles vivem é representado. E mesmo se ousarmos encarar o cinema como algo entre a vida e a arte – como nos disse Godard – sabemos: a vida deles é como algo entre uma vida e nada. Nesse meio termo, deslizamos para o vazio – o vazio que permeia o amplo espaço do apartamento sem mobília.
Marlon Brando, por sua vez, é Paul. Paul acabou de vivenciar o suicídio de sua esposa. Americano, ele errou por muitos anos até terminar em Paris – o que o torna um personagem desnorteado, sem horizonte (quadro que se completa quando ele se declara ateu; e proíbe sua sogra de trazer um padre para o enterro de sua esposa). É como se ele entendesse o seu suicídio, mesmo que ela não tenha deixado cartas ou quaisquer explicações. Não apenas o suicídio da esposa; é como se ele entendesse o suicídio – algo que não faz sentido na cabeça da velha religiosa.
Quando viva, sua esposa tinha um amante – e ele o sabia, e era como se isso também pra ele fizesse sentido, ao mesmo tempo em que não fazia. Porque de certo modo o vazio é coerente. E não saberemos o que ela buscava ao vestir o amante com um macacão exatamente igual ao de Paul, ou ao tentar arrancar o papel de parede do quarto do amante com as próprias mãos, a fim de deixar o lugar semelhante ao quarto onde dormia com o marido. Assim como não saberemos o que Paul e Jeanne buscavam naquele apartamento. É como se, ao buscar algo, não buscassem nada.
Qual das duas vidas que cada um vive é a verdadeira? Sem que tal pergunta fosse respondida, a partir de um momento essas vidas cessam de ser paralelas e começam a interferir uma na outra. Jeanne está em uma cena do filme de seu noivo (que ao mesmo tempo é a vida de ambos) em que está experimentando o vestido de noiva. Com uma terrível ironia ela compara o casamento ao casamento dos pôsters, e define o casal como trabalhadores vestidos de macacão que repetidamente consertam o casamento como se conserta o motor de um carro. Então define o amor: “os trabalhadores vão a um lugar secreto. Eles tiram os macacões e viram homens e mulheres de novo, e fazem amor”. De repente ela abandona as filmagens, sem avisar, foge para o apartamento e declara sua paixão a Paul em um dos momentos mais marcantes do filme.
Mais tarde, quando ela retorna ao apartamento e não o encontra mais, desespera-se, e, de um modo muito simbólico (que para a psicanálise deve render interpretações fantásticas), acaba convidando seu noivo a irem morar lá.
Mas Paul na verdade não a tinha abandonado: ele tinha resolvido que começariam tudo de novo, e o mais importante; sem o apartamento: começariam uma vida do lado de fora. Mas, ao contrário das expectativas, em lugar do entusiasmo e alegria sobreveio a Jeanne uma agonia inexplicável; o espaço vazio do apartamento foi substituído pelo vazio da vida; e Jeanne não gostou de descobrir quem Paul era – por mais que durante quase todo o filme ela quisera e tentara conhecê-lo. E eis que, o que talvez fosse somente o primeiro tango, acabou sendo o último. Ao se conhecerem, eles se desconheceram, e o que seria o início de um amor foi na verdade seu fim.
Esta que sem dúvida é uma das maiores obras já feitas sobre o vazio existencial apresenta ao homem moderno, através de uma poesia linda e amargurada, as suas duas opções únicas: o imenso vazio de uma vida sem sentido ou o medíocre vazio de um apartamento sem mobília. E se na instabilidade inerente a este encontramos a estabilidade inerente àquele, e vice-versa, nossa escolha não é mais que uma questão de perspectiva: não se trata de uma esperança. Qual das opções é a vida real e qual é a sua catarse: eu não saberia dizer sem ser simplista. E é exatamente isso que torna a última cena tão enigmática: Jeanne ensaia o que falará para o noivo sobre o homem morto em sua varanda (a varanda de um apartamento que finalmente tem seus móveis): “Eu não sei quem ele é”, “não o conheço”; e nós não sabemos – e muito menos ela o sabe – se tais frases, afinal, são falsas ou reais.

- Francis Bacon
Essa “crítica” (por falta de melhor designação) não estaria de jeito nenhum completa, nem tão pessoal, se eu não citasse aqui um nome fundamental: Francis Bacon. Não confundir com o filósofo! Trata-se simplesmente do meu pintor favorito, o que mais me fascina, e ao mesmo tempo mais me agonia. E por que estou citando o seu nome? Porque eu surpreendi-me quando vi, logo no início do filme, na introdução, durante a apresentação de algumas referências técnicas, dois quadros do Bacon sendo exibidos na tela. Certo de que essa iniciativa do Bertolucci não seria de jeito nenhum aleatória, pesquisei, e descobri algo que eu sou leigo demais para que tivesse percebido sozinho: a fotografia do filme, de Vittorio Storaro, é toda inspirada em quadros do Bacon.
Uma sacada genial que, ao menos na minha cabeça, é absolutamente coerente: sempre vi Bacon como o pintor do vazio, da desilusão, do desespero. Da irracionalidade e da falta de sentido. O próprio já disse: “O homem compreende que é um acidente, um ser absolutamente fútil, que deve jogar até o final sem motivo”.
Se você quiser saber um pouquinho mais sobre Francis Bacon e ver alguns quadros dele, entre no álbum dedicado a ele em meu orkut:
http://www.orkut.com.br/Main#Album?uid=4899410086037152614&aid=1257430478

- Complemento
Como complemento à minha “crítica” – que por ser demasiadamente pessoal deixou a desejar referências a quesitos técnicos e curiosidades – deixo aqui recomendado um link sobre o filme que achei realmente interessante e elucidativo:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ZHA9dtq4IDsJ:www.blogpaedia.com.br/2008/12/10-mitos-que-ainda-pairam-sobre-o-filme.html+ultimo+tango+em+paris+criticas&cd=22&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br



- Prêmios
Círculo dos Críticos de Cinema de Nova York, EUA Prêmio de Melhor Ator
Academia Britânica de Cinema e Televisão, Inglaterra Prêmio de Melhor Ator
Indicado ao Oscar de Melhor Ator (Marlon Brando) e Diretor (Bernardo Bertolucci)

Um comentário: