Muito obrigado!
• título original:Ultimo Tango a Parigi• gênero:Drama
• duração:02 hs 03 min
• ano de lançamento:1972
• estúdio:Les Productions Artistes Associés / Produzioni Europee Associati
• distribuidora:United Artists
• direção: Bernardo Bertolucci
• roteiro:Bernardo Bertolucci e Franco Arcalli, baseado em estória de Bernardo Bertolucci
produção:Alberto Grimaldi• música:Gato Barbieri
• fotografia:Vittorio Storaro
• figurino:Gitt Magrini
• edição:Franco Arcalli e Roberto Perpignani
elenco:
• Marlon Brando (Paul)
• Maria Schneider (Jeanne)
• Maria Michi (Mãe de Rosa)
• Giovanna Galletti (Prostituta)
• Gitt Magrini (Mãe de Jeanne)
• Catherine Allégret (Catherine)
• Luce Marquand (Olympia)
• Marie-Hélène Breillat (Monique)
• Catherine Breillat (Mouchette)
• Jean-Pierre Léaud (Tom)
• Massimo Girotti (Marcel)
• Veronica Lazar (Rosa)
• Rachel Kesterber (Christine)
Nota: 10,0 (parâmetro/categoria: drama intimista)

Talvez a principal pergunta que se deva dirigir a essa linda obra poética de Bertolucci seja: aquele apartamento vazio, sem móveis, sem história, sem passado ou futuro, seria o refúgio onde os protagonistas vão se esconder da vida – um mero escape – ou seria a própria vida deles – a vida sincera e transbordante que eles nunca veriam do lado de fora? Evidentemente não se trata de uma pergunta a ser respondida; quem sabe não seja mesmo a pergunta que norteie uma análise mais profissional – como é digno de Bertolucci, a psicanálise permeia todo o filme, mas está muito além de mim encaixar uma obra-prima em uma teoria – que por hora não compreendo. Todavia, essa pergunta sussurrou-me suas angústias de modo suficientemente perturbador para que eu resolva explorá-la – sem respondê-la – a fim de escrever essa que talvez seja a mais pessoal dentre as críticas aqui trabalhadas – e não sei ao menos se posso chamá-la crítica, se isso melhor denominar-se-ia uma exposição, um externamento de sentimentos e sensações, ou se, afinal, não lhe cabe nome algum, do mesmo modo que nome algum cabia àqueles sutis e carregados personagens de Marlon Brando e Maria Schneider.
Dentro daquele apartamento tudo é relevante; lá não há excessos, por mais exagerado que seja o ambiente. Tudo o que seria excessivo foi descartado, estejamos falando seja de mobília, seja de nomes – o que nos leva a pensar que talvez o único modo de conhecer uma pessoa seja não a conhecendo; o mistério cria um contexto de intimidade desnuda onde não há nada a se esconder, por mais que todo o resto esteja escondido. Provavelmente o que estou tentando dizer é que, sem se esconderem atrás de um nome, de uma reputação, de um voto de amor ou de amizade; sem se esconderem mesmo atrás de um passado, é possível aos personagens desnudarem sem constrangimento o que realmente são – e esconderem atrás de si seu nome, seu amor, seu passado. Por mais que haja perguntas a serem feitas, não há respostas a serem dadas. Parece que estamos em um lugar onde as instituições não chegam, onde não há coerção; e o sexo, como expressão máxima da vontade, como expressão mesma do Indivíduo, explode com total naturalidade desde a primeira cena em que os personagens se encontram no apartamento.
Por outro lado, o apartamento não é um lugar feliz. Parece que os personagens retornam sempre pra lá em busca de algo que não encontram – e de fato, eles acabam se prendendo a este lugar de modo até obsessivo. O apartamento é só um espaço, e como um espaço, parece que lá falta alguma coisa. Alguma coisa além das mobílias. Assim como nos personagens falta algo além de seu nome e seu passado.
Lá fora, eles ganham nome. Jeanne tem um noivo (Jean-Pierre Léaud), um noivo que quer transformar o amor deles em cinema. O que talvez seja a metáfora mais completa que alguém já tenha encontrado para expressar a artificialidade dos relacionamentos – pelo menos dos relacionamentos convencionais, aqueles que se passam “do lado de fora”. Ouvimos sempre falar na brutal diferença que distancia um beijo cinematográfico de um beijo real. Então: todos os beijos que ele dá em Jeanne são cinematográficos. Seu reencontro, suas declarações de amor, até seu pedido de casamento: tudo é cinema, é arte, é atuação. É tudo como se fosse uma reprodução, uma imagem, uma representação. A questão não é apenas não ser autêntico ou não ser sincero, é muito mais: é que tudo o que eles sentem só pode ser sentido através da lente de uma câmera. Se o cinema representa a vida, o amor deles representa o amor deles. Em última análise, tudo o que eles vivem é representado. E mesmo se ousarmos encarar o cinema como algo entre a vida e a arte – como nos disse Godard – sabemos: a vida deles é como algo entre uma vida e nada. Nesse meio termo, deslizamos para o vazio – o vazio que permeia o amplo espaço do apartamento sem mobília.
Marlon Brando, por sua vez, é Paul. Paul acabou de vivenciar o suicídio de sua esposa. Americano, ele errou por muitos anos até terminar em Paris – o que o torna um personagem desnorteado, sem horizonte (quadro que se completa quando ele se declara ateu; e proíbe sua sogra de trazer um padre para o enterro de sua esposa). É como se ele entendesse o seu suicídio, mesmo que ela não tenha deixado cartas ou quaisquer explicações. Não apenas o suicídio da esposa; é como se ele entendesse o suicídio – algo que não faz sentido na cabeça da velha religiosa.Quando viva, sua esposa tinha um amante – e ele o sabia, e era como se isso também pra ele fizesse sentido, ao mesmo tempo em que não fazia. Porque de certo modo o vazio é coerente. E não saberemos o que ela buscava ao vestir o amante com um macacão exatamente igual ao de Paul, ou ao tentar arrancar o papel de parede do quarto do amante com as próprias mãos, a fim de deixar o lugar semelhante ao quarto onde dormia com o marido. Assim como não saberemos o que Paul e Jeanne buscavam naquele apartamento. É como se, ao buscar algo, não buscassem nada.
Qual das duas vidas que cada um vive é a verdadeira? Sem que tal pergunta fosse respondida, a partir de um momento essas vidas cessam de ser paralelas e começam a interferir uma na outra. Jeanne está em uma cena do filme de seu noivo (que ao mesmo tempo é a vida de ambos) em que está experimentando o vestido de noiva. Com uma terrível ironia ela compara o casamento ao casamento dos pôsters, e define o casal como trabalhadores vestidos de macacão que repetidamente consertam o casamento como se conserta o motor de um carro. Então define o amor: “os trabalhadores vão a um lugar secreto. Eles tiram os macacões e viram homens e mulheres de novo, e fazem amor”. De repente ela abandona as filmagens, sem avisar, foge para o apartamento e declara sua paixão a Paul em um dos momentos mais marcantes do filme.
Mais tarde, quando ela retorna ao apartamento e não o encontra mais, desespera-se, e, de um modo muito simbólico (que para a psicanálise deve render interpretações fantásticas), acaba convidando seu noivo a irem morar lá.
Mas Paul na verdade não a tinha abandonado: ele tinha resolvido que começariam tudo de novo, e o mais importante; sem o apartamento: começariam uma vida do lado de fora. Mas, ao contrário das expectativas, em lugar do entusiasmo e alegria sobreveio a Jeanne uma agonia inexplicável; o espaço vazio do apartamento foi substituído pelo vazio da vida; e Jeanne não gostou de descobrir quem Paul era – por mais que durante quase todo o filme ela quisera e tentara conhecê-lo. E eis que, o que talvez fosse somente o primeiro tango, acabou sendo o último. Ao se conhecerem, eles se desconheceram, e o que seria o início de um amor foi na verdade seu fim. Esta que sem dúvida é uma das maiores obras já feitas sobre o vazio existencial apresenta ao homem moderno, através de uma poesia linda e amargurada, as suas duas opções únicas: o imenso vazio de uma vida sem sentido ou o medíocre vazio de um apartamento sem mobília. E se na instabilidade inerente a este encontramos a estabilidade inerente àquele, e vice-versa, nossa escolha não é mais que uma questão de perspectiva: não se trata de uma esperança. Qual das opções é a vida real e qual é a sua catarse: eu não saberia dizer sem ser simplista. E é exatamente isso que torna a última cena tão enigmática: Jeanne ensaia o que falará para o noivo sobre o homem morto em sua varanda (a varanda de um apartamento que finalmente tem seus móveis): “Eu não sei quem ele é”, “não o conheço”; e nós não sabemos – e muito menos ela o sabe – se tais frases, afinal, são falsas ou reais.

- Francis Bacon
Essa “crítica” (por falta de melhor designação) não estaria de jeito nenhum completa, nem tão pessoal, se eu não citasse aqui um nome fundamental: Francis Bacon. Não confundir com o filósofo! Trata-se simplesmente do meu pintor favorito, o que mais me fascina, e ao mesmo tempo mais me agonia. E por que estou citando o seu nome? Porque eu surpreendi-me quando vi, logo no início do filme, na introdução, durante a apresentação de algumas referências técnicas, dois quadros do Bacon sendo exibidos na tela. Certo de que essa iniciativa do Bertolucci não seria de jeito nenhum aleatória, pesquisei, e descobri algo que eu sou leigo demais para que tivesse percebido sozinho: a fotografia do filme, de Vittorio Storaro, é toda inspirada em quadros do Bacon.
Uma sacada genial que, ao menos na minha cabeça, é absolutamente coerente: sempre vi Bacon como o pintor do vazio, da desilusão, do desespero. Da irracionalidade e da falta de sentido. O próprio já disse: “O homem compreende que é um acidente, um ser absolutamente fútil, que deve jogar até o final sem motivo”.
Se você quiser saber um pouquinho mais sobre Francis Bacon e ver alguns quadros dele, entre no álbum dedicado a ele em meu orkut:
http://www.orkut.com.br/Main#Album?uid=4899410086037152614&aid=1257430478

- Complemento
Como complemento à minha “crítica” – que por ser demasiadamente pessoal deixou a desejar referências a quesitos técnicos e curiosidades – deixo aqui recomendado um link sobre o filme que achei realmente interessante e elucidativo:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ZHA9dtq4IDsJ:www.blogpaedia.com.br/2008/12/10-mitos-que-ainda-pairam-sobre-o-filme.html+ultimo+tango+em+paris+criticas&cd=22&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

- Prêmios
Círculo dos Críticos de Cinema de Nova York, EUA Prêmio de Melhor Ator
Academia Britânica de Cinema e Televisão, Inglaterra Prêmio de Melhor Ator
Indicado ao Oscar de Melhor Ator (Marlon Brando) e Diretor (Bernardo Bertolucci)

Sim!
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