sábado, 3 de abril de 2010

A Fita Branca


• título original:Das Weisse Band - Eine Deutsche Kindergeschichte
• gênero:Drama
• duração:02 hs 24 min
• ano de lançamento:2009
• site oficial:http://www.lerubanblanc.com/
• estúdio:Wega Film / X-Filme Creative Pool / Lucky Red / Les Films du Losange / Austrian Film Institute / Mini-Traité Franco-Canadien / Medienboard Berlin-Brandenburg / Mitteldeutsche Medienförderung / German Federal Film Board / Deutsche Filmförderfonds / Vien
• distribuidora:Sony Pictures Classics / Imovision
• direção: Michael Haneke
• roteiro:Michael Haneke
• produção:Stefan Arndt, Veit Heiduschka, Michael Katz, Margaret Ménégoz e Andrea Occhipinti
• fotografia:Christian Berger
• direção de arte:Anja Müller
• figurino:Moidele Bickel
• edição:Monika Willi
• efeitos especiais:LISTO Videofilm
elenco:
• Susanne Lothar (Esposa)
• Ulrich Tukur (Barão)
• Burghart Klaubner (Pastor)
• Josef Bierbichler (Camareiro)
• Marisa Growaldt (Fazendeira)
• Christian Friedel (Professor)
• Leonie Benesch (Eva)
• Ursina Landi (Baronesa Marie-Luise)
• Steffi Kühnert (Anna)
• Gabriela Maria Schmeide (Emma)
• Rainer Bock (Médico)
• Maria-Victoria Dragus (Klara)
• Leonard Proxauf (Martin)
• Janina Fautz (Erna)
• Michael Kranz (Hauslehrer)
• Levin Henning (Adolf)
• Thibault Sérié (Gustav)
• Enno Trebs (Georg)
• Theo Trebs (Ferdinand)
• Sebastian Hülk (Max)
• Kai-Peter Malina (Karl)
• Aaron Denkel (Kurti)
• Anne-Kathrin Gummich (Mãe de Eva)
• Detlev Buck (Pai de Eva)
• Ernst Jacobi (Narrador)
• Birgit Minichmayr (Frieda)
Nota: 9,2 (parâmetro/categoria: drama pesado)

Não é originalidade minha dizer que a primeira coisa a se ressaltar em A Fita Branca é sua fotografia. Mas de fato, a inserção daquela pequena comunidade em uma atmosfera P&B, além da atuação impecável de cada um dos atores, nos proporciona minuciosamente a absorção pra dentro desta comunidade, daquele ambiente dissimulado, que passa tensão nas entrelinhas, que é aparentemente banal mas que talvez – segundo algumas interpretações – guarde em si o embrião de uma bomba – o nazismo.

- Estudo antropológico
A Fita Branca tem semelhanças contundentes com um clássico do cinema, o maravilhoso Dogville, de Lars von Trier.
Ambos os filmes transportam o macrocosmo que é uma civilização para o microcosmo que é uma pequena vila. Ambos os filmes retratam essa personificação de forma intrinsecamente pessimista, desnudando a crueldade da alma humana – em suas respectivas contextualizações. Ambos retratam as dissimulações, evidenciando o que se esconde por trás do véu de éticas e morais dos habitantes simples da pequena comunidade. Ambos nos mergulham em uma atmosfera lúgubre e tensa – utilizando em sua construção recursos formais bem peculiares: Lars von Trier com seu cenário minimalista e Michael Haneke com sua fotografia P&B e formato quase que documental.
Contudo há diferenças. Aquele é mais vanguardista: envolto em poesia, construção de metáforas e uma linguagem mais espontânea. Este é mais técnico. Tem pretensões antropológicas. Ele busca respostas.
Ele as consegue?

- O homem é o lobo do homem
Encantei-me com A Fita Branca por enxergar nele um libelo contra a educação repressiva e moralista que guarda em si tantas hipocrisias. Desde o pastor tão profundamente maniqueísta, que vê em tudo formas de expressão do pecado e da não-pureza, mesmo a expressão da sexualidade latente de seu filho na fase da puberdade – o garoto tem as mãos amarradas para que não se masturbe, pois um certo garoto que se masturbara supostamente acabara morrendo. Até o médico que, talvez não controlando um quê de culpa pela morte da mulher pela qual não conseguia demonstrar amor, assedia sexualmente sua filha, esta que é “tão parecida com a mãe”. Passando pelo professor que, ingênuo demais para exteriorizar tal crueldade – além de ser o narrador, motivo que torna sua personalidade unilateral e impecável (no estilo de Dom Casmurro) –, nutre um egoísmo que sua narrativa é incapaz de esconder, egoísmo esse que faz com que de fato não se importe com todos os absurdos que estão acontecendo ao seu redor, limitando-se a cuidar da própria vida – cortejar sua amada, acabar lutando na guerra, ir morar na cidade e nunca mais ver o povo da comunidade – e a analisar os fatos com um distanciamento acadêmico – uma mera curiosidade que não é o suficiente para fazê-lo ir adiante em sua denúncia quando, ao final, descobre os responsáveis pelos crimes.
Encantei-me com A Fita Branca pela metáfora que insere em seu título – a fita branca, da cor da pureza, é atada às crianças pecadoras para que não se esqueçam o que é esperado delas. A fita branca que é tirada das crianças quando estas já são julgadas puras, quando elas podem enfim agregar-se socialmente. A fita branca que novamente deve ser atada, ao livre critério do pastor e de sua leitura maniqueísta do contrato social. A fita branca é o símbolo de tudo o que aquela pequena comunidade representa. O objeto que, sendo um rótulo, um representativo da castidade, da boa moral e dos bons costumes, oculta o que há de mais opressor, oculta o autoridade, a hierarquia, a imposição social, a restrição da liberdade individual. A fita branca atada às crianças tem o mesmo valor que uma algema. Uma corrente. É um filme iconoclasta. E mais que iconoclasta, anticlerical. Mais que anticlerical, anti-autoritarista. Anti-fundamentalista. Um filme quase anárquico.
E encantei-me com A Fita Branca por mostrar, enfim, o resultado dessa educação tradicional. Mostrar que ela gera não crianças militarizadas, intrinsecamente fiéis à hierarquia, puras e assexuais. Mas faz com que todos os desejos reprimidos, todos os anseios que acompanham inevitavelmente a natureza humana, toda a perversidade da qual nos falou Freud, todo o instinto animal não simplesmente sumam, mas se encolham e se aglomerem de um modo progressivo, ficando latentes, até que a pressão seja demasiada e enfim tudo exploda, voando cacos para todas as direções. Poderíamos, sob outro sistema educacional, talvez amenizar o que temos de mais rudimentar afim de se estabelecer um contrato social estável, mas é impossível, conformem desejam os educadores da fita branca, suprimir e fazer desaparecer o que temos de mais rudimentar afim de criar seres humanos robotizados. A educação opressora guarda em si seu antagonismo (ainda mais quando os próprios educadores são de forma dissimulada tudo o que combatem), e não gera robôs, mas seu oposto: gera monstros. Gera lobos. É o homem de Thomas Hobbes levado às últimas consequências.
Sim. Michael Haneke consegue suas respostas.

-Suas próprias palavras
Aqui entram algumas divergências. Claro que, curioso insaciável que sou, não bastei a Fita Branca ao meu encanto. Fui buscar coisas para ler sobre o filme.
E deparei-me com muita gente dizendo que o filme era uma parábola sobre o surgimento do nazismo. As crianças seriam os futuros nazistas. Quê? Eu não tinha “pegado” nada disso.
Ou seja – deduzo –, se Lars von Trier faz um estudo sobre a sociedade norte-americana, Michael Haneke faz um estudo sobre o nazismo alemão. Será mesmo?
João Pereira Coutinho, da Folha, chega mesmo a afirmar que A Fita Branca reduz o nazismo a um problema de autoestima alemão. E que, colocando um nazista como vítima, o absolveria de seus crimes.
Mesmo sob esse viés, aceitando o filme como uma parábola, o fato é que explicar que uma mentalidade perversa não surge do nada, mas tem uma raiz social, não significa absolvê-la. Significa extraí-la do maniqueísmo romântico segundo o qual o mal é o puro mal apenas por ser o mal e nada mais que o mal, e inseri-la num contexto plurilateral a partir do qual, partindo de determinadas tendências acadêmicas, se buscará uma maior compreensão histórica das respectivas ações humanas. Compreensão que extravasa moralismos e a necessidade insaciável de se estar sempre julgando as coisas, se colocando no patamar de classificá-las entre certas e erradas.
Mas mesmo assim, não pude deixar de pensar que a tendência de relacionar qualquer coisa vinculada à Alemanha com nazismo é até hoje algo incurável. Para minha sorte, achei na internet – no site da ig – as palavras do próprio diretor:
“Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. E isso ajuda àqueles que não têm possibilidade alguma de se defender de seguir essa ideologia como uma forma de escapar da própria miséria. E este não é um problema só do fascismo da direita. Também vale para o fascismo da esquerda e para o fascismo religioso. Você poderia fazer o mesmo filme – de uma forma totalmente diferente, é claro – sobre os islâmicos de hoje. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.” (http://colunistas.ig.com.br/mauriciostycer/2009/10/24/as-raizes-do-mal-haneke-explica-%E2%80%9Ca-fita-branca%E2%80%9D/)

A problemática do filme não é localizada, mas universal. O filme que venceu a Palma de Ouro em Cannes – tirando de cena um Tarantino e um Almodóvar – talvez seja mais complexo do que parece.


prêmios:

OSCAR
Indicações
Melhor Filme Estrangeiro
Melhor Fotografia

GLOBO DE OURO
Ganhou
Melhor Filme Estrangeiro

BAFTA
Indicação
Melhor Filme Estrangeiro

FESTIVAL DE CANNES
Ganhou
Palma de Ouro
Prêmio FIPRESCI

FESTIVAL DE SAN SEBASTIÁN
Ganhou
Prêmio FIPRESCI

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