domingo, 4 de julho de 2010

Cinema Paradiso

Por motivos acadêmicos abandonei meu blog às traças por um bom tempo, embora com pouco peso na consciência, já que minha última postagem fora não menos que The Wall. Agora, como um modo de me redimir, retorno com esse que é um grande clássico, um filme já arraigado ao imaginário popular. E aguardem, porque, assim que eu encontrar a versão original do filme e assisti-la - aposto que você não sabia que a versão que você conhece é cortada! - voltarei nesse post para as devidas atualizações.

• título original:Nuovo Cinema Paradiso
• gênero:Drama
• duração:02 hs 03 min
• ano de lançamento:1988
• estúdio:TF1 Film Productions / Les Films Ariane / Cristaldifilm / RAI
• distribuidora:Miramax Films
• direção: Giuseppe Tornatore
• roteiro:Giuseppe Tornatore
• produção:Mino Barbera, Franco Cristaldi e Giovana Romagnoli
• música:Andrea Morricone e Ennio Morricone
• fotografia:Blasco Giurato
• figurino:Beatrice Bordone
• edição:Mario Morra
Elenco:
• Antonella Attili (Maria - jovem)
• Enzo Cannavale (Spaccafico)
• Isa Danieli (Anna)
• Leo Gullotta (Usher)
• Marco Leonardi (Salvatore - adolescente)
• Pupella Maggio (Maria - idosa)
• Agnese Nano (Elena - adolescente)
• Leopoldo Trieste (Padre Adelfio)
• Salvatore Cascio (Salvatore - criança)
• Roberta Lina (Lia)
• Nino Terzo (Pai de Peppino)
• Jacques Perrin (Salvatores - adulto)
• Brigitte Fossey (Elena - adulta)
• Philippe Noiret (Alfredo)
• Tano Cimarosa
• Nicola Di Pinto
Nota: impessoal: 10
pessoal: 8,0
(categoria/parâmetro: drama leve)

Cinema Paradiso é a última palavra em lirismo, nostalgia e beleza. A homenagem mais delicada que poder-se-ia realizar ao mundo do cinema, e ao mesmo tempo aos sentimentos humanos mais puros. Não é um filme intelectual, complexo ou profundo; não é um filme que gerará discussões acadêmicas ou devaneios sócio-filosóficos. É simplesmente um filme que faz os críticos mais severos e os especialistas mais engravatados esquecerem que sabem alguma coisa, esquecerem tudo o que sabem, para simplesmente chorarem.
Foi o que aconteceu no Festival de Cannes, ocasião em que as palmas se prolongaram por muito tempo, e as lágrimas escorreram nos rostos outrora esnobes – foi esse, ao menos, o depoimento que Rubens Ewald Filho trouxe de lá. Cinema Paradiso conquistou não apenas o Grande Prêmio do Júri nesse festival, mas o Oscar de melhor filme estrangeiro e muitos outros prêmios importantes. O segundo filme de Giuseppe Tornatore teve uma repercussão fantástica, embora num primeiro momento se tenha prometido um fracasso: as primeiras exibições na Itália foram repudiadas pelo público. E, embora muitos atribuam a alteração abrupta nos ventos ao corte de meia hora que os realizadores do filme fizeram – corte esse que tirou da história a personagem adulta de Elena, interpretada por Brigitte Fossey – o produtor Franco Cristaldi garantiu que foi mínima a relevância dessa iniciativa.
Um dos méritos desse filme é o mesmo creditado a autores como Guimarães Rosa: conseguir transmitir numa obra bem regional um quê internacional: trata-se de um filme que causará comoção em qualquer lugar do mundo. E não apenas comoção, mas identificação, muito embora a história seja bem delimitada tanto em questão de espaço quando de tempo: é a Sicília do pós-guerra, na qual vemos prédios ainda destruídos, referências a Stálin (é o bigodudo do qual todos falam mal) – e vemos até um comunista cuja família está indo embora por motivos políticos; vemos o povo simples da Sicília, essa linda e tradicional ilha bem ao sul da Itália, pouco afetada pelos privilégios da unificação e até hoje uma das regiões mais pobres do país; vemos a cultura italiana, seu modo de ser, acontecimentos bem típicos como quando jogam pratos pelas janelas das casas no ano novo, quebrando tudo. Temos aquele clima de cidade pequena, com todos os seus personagens típicos – temos até o louco que não causa medo, mas riso, e quem mora ou já morou em cidade pequena sabe que isso é de praxe. Tudo bem ambientado de um modo bem ameno, mesmo que muitos tenham sido os danos da Segunda Guerra, mesmo que muitos não tenham voltados, entre eles o pai de Totó, é um pós-guerra esperançoso, cheio de promessas, de planos, de vida. As pessoas vivem.
E um dos principais lugares onde as pessoas de fato vivem é o Cinema Paradiso; e não é apenas onde elas vivem, mas o que lhes dá a vida, e mesmo que isso esteja especialmente simbolizado no personagem de Totó, é também perceptível em cada personagem da cidade: o casal que trocou os primeiros olhares nesse cinema para depois freqüentá-lo com seu filho, o velho chorão que sabia todas as falas de cor e as repetia antes mesmo dos personagens dos filmes, os moleques que se masturbavam com a suntuosa beleza de Brigitte Bardot. É dentro deste cinema onde os personagens se constroem, de modo que ele nunca pode ser visto como apenas um lugar.
Assim como Alfredo não é apenas um homem. O próprio diretor, Giuseppe Tornatore, salientou que quis representar nele uma personificação do cinema. Alfredo reclama a todo tempo de seu emprego, mas jamais o deixará, pois cada vez que escuta o deleite daqueles que assistem a um filme que ele está projetando, é como se fosse ele mesmo a lhes causar o deleite. E é essa sensação de auto-realização que ele acaba incondicionalmente passando para Totó, não apenas incondicionalmente mas contra seu próprio desejo: porque ele não via nesse trabalho ingrato um futuro para Totó.
E é pensando no futuro de Totó que Alfredo o manda embora para Roma. Mas nós percebemos, mais nitidamente do que nunca a nossa vida o mostraria (quem sabe talvez quando chegássemos ao final dela e olhássemos para trás com a mesma delicada nostalgia com a qual Totó o fez) que ter um futuro nada tem a ver com grandeza. Porque tudo o que Totó viveu fora de sua aconchegante cidadezinha na Sicília – e fora de seu querido Cinema Paradiso – foi exatamente tudo o que viveu de menos importante. Não obstante tenha conquistado fama ou prestígio, dinheiro ou mulheres.
De tudo o que construiu em sua vida, o que lhe restou ao final dela de mais significativo, de mais pleno, foram as cenas cortadas que o padre censurara. E é por isso que é impossível assistir a cena final sem chorar. E é por isso que é impossível lembrar dela sem que o os olhos umedeçam. Talvez o que mais importe na vida de um homem seja aquilo que conquistou – ou que o conquistou – quando criança.
A mensagem que um filme tão lindo nos lega é apenas aquilo que Alfredo disse a Totó antes dele partir: “Seja o que for que fizer, ame-o como amou a cabine do Cinema Paradiso quando era pequeno”. Se não amarmos tudo o que fazemos em nossa vida desse mesmo modo, não podemos chamá-la vida.


- Alguns adendos
A parte técnica do filme é bem simples, no sentido de ser tradicional, sem muitas inovações, mas dentro do que se propõe é impecável. Os atores são perfeitos, a criança que interpreta o menino Totó é um achado, consegue transmitir exatamente o ar maroto e sincero que lhe é cabido – curioso o fato do ator ter o mesmo nome e o mesmo apelido do personagem, o que o diretor jocosamente chamou de “destino”. Philippe Noiret, que faz Alfredo, consegue ser quase mais fofo que o próprio Totó. A direção é extraordinária para um segundo filme, e as tão lindas e características paisagens da Sicília – ilha onde o diretor nasceu -, junto com a trilha sonora do mestre onipresente do cinema, Ennio Morricone, contribuem de modo elementar para a sensação de delicadeza e lirismo que Tornatore almejou. Como já foi dito, toda a técnica é muito simples, quase rudimentar; a trilha sonora, por exemplo, tem sempre o mesmo mote, não há tomadas trabalhosas e as pitadas de comicidade são bem típicas; mas cada um desses elementos é coeso com a essência de um filme que não é feito essencialmente para intelectuais, mas para poetas.
Um outro adendo é sobre o romance de Totó e Elena (a jovem Agnese Nano). Embora muito bonito, não sei se, do modo que foi posto, esse romance era muito cabível ao momento ou ao menos necessário; ele deu um tom melodramático um pouco excessivo que não permeia o mote principal do filme: este tem uma sensibilidade mais simples, mais mundana, e principalmente mais simbólica. O tom romântico do filme, o lirismo, a nostalgia, a emoção, representando uma homenagem ao cinema, e mais do que ao cinema, à vida, está nas entrelinhas, não no que é explícito. Choramos enquanto Totó, já velho, assiste as cenas censuradas do cinema, não pelo modo como isso se mostra, mas por tudo o que isso significa, e, por mais profundo que seja tudo o que isso significa, não é preciso para representá-lo mais do que algumas cenas de beijo que foram cortadas. É tudo muito simples, contido; é a poesia dos modernistas, que toca as emoções mais vitais sem nunca usar mais que vocábulos corriqueiros. Mas de qualquer modo, com todos os seus excessos, é impossível não nos emocionarmos com a longa espera de Totó por uma janela que não se abre. Talvez exatamente o que o filme quer nos mostrar nesse ponto é que o amor não existe sem excessos.


- O cinema
Minha primeira impressão do filme causou-me a princípio certo repúdio pelo tipo de cinema que ele propôs-se a homenagear. As referências são todas a grandes astros da clássica Hollywood. Humphrey Bogart, Clark Gable, Greta Garbo. Vemos também Brigitte Bardot, o maior produto de exportação da França dos anos 60. Apenas uma menção isolada a Luchino Visconti, grande cineasta italiano. O cinema de massa, industrial, ovacionado com toda a cara de pau.
Mas rapidamente mudei o ângulo pelo qual estava observando. O objetivo de Cinema Paradiso não é ser crítico do ponto de vista social, não é apresentar análises ou ideologias; como eu disse, não é um filme para intelectuais – e aqui estava eu querendo ser intelectual. Aquela pequena sala de cinema, naquela pequena cidade de gente tão simples na ilha de Sicília, não condizia com obras do grande cinema artístico – se Hollywood é cinema de massa, aquela justamente era a massa. O que Cinema Paradiso se propõe não é homenagear o cinema elitizado que, por mais profundo que seja, devido a todas as debilidades do nossa realidade sócio-econômica não consegue sair da ambiente acadêmico; Cinema Paradiso homenageia simplesmente o que o cinema banal, o cinema não como arte, mas como apenas cinema, consegue despertar na pessoa simples, naquela pessoa que não tem cultura, mas que também não tem superfluidades, que vai ao cinema não para estudar, mas para rir, para namorar, para chorar e repetir as falas dos personagens, e mesmo para se masturbar. Não estou – não seria eu mesmo se fizesse isso – legitimando Hollywood, mas encarando-o com a ótica de Cinema Paradiso; a mesma ótica daqueles que não têm embargo para fazer críticas sociais. E não acho que Cinema Paradiso deixe em sua homenagem o cinema artístico de lado, mas apenas não o coloca como foco; porque o foco desse filme é exatamente aquilo que é simples e acessível, que consegue tocar a todos do mesmo modo. Que é simples mas desperta emoções profundas; antes de tudo desperta emoções; e desperta a própria vida.




Prêmios:

Oscar 1990 (EUA)
Venceu na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Globo de Ouro 1990 (EUA)
Venceu na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Festival de Cannes 1989 (França)
Recebeu o Grande Prêmio do Júri.
Indicado à Palma de Ouro.

Prêmio César 1990 (França)
Ganhou o prêmio de Melhor Poster.
Indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Academia Japonesa de Cinema 1991 (Japão)
Indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Prêmio David di Donatello 1989 (Itália)
Venceu na categoria de Melhor Música (Ennio Morricone).

BAFTA 1991 (Reino Unido)
Venceu nas categorias de Melhor Ator (Philippe Noiret), Melhor Ator Ator Coadjuvante (Salvatore Cascio), Melhor Filme em Língua Não Inglesa, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Roteiro Original.
Indicado nas categorias de Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Diretor, Melhor Edição, Melhor Maquiagem e Melhor Direção de Arte.

Um comentário:

  1. Perfeito o texto.

    Jamais eu descreveria o filme tão bem.

    marcoswendellgv@yahoo.com.br

    Se voce fosse um crítico de grande público, aqui teria mais de 300 comentários. Certamente. Pois ficou primoroso. Captou todo o sentimento do filme.

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