domingo, 21 de fevereiro de 2010

As Aventuras de Dick e Jane


• título original:Fun with Dick and Jane
• gênero:Comédia
• duração:01 hs 30 min
• ano de lançamento:2005
• site oficial:http://www.asloucurasdedickejane.com.br
• estúdio:Columbia Pictures Corporation / Imagine Entertainment / Sony Pictures Entertainment / JC 23 Productions
• distribuidora:Columbia Pictures / Sony Pictures Entertainment / Buena Vista International
• direção: Dean Parisot
• roteiro:Peter Tolan, baseado em roteiro de Judd Apatow e Nicholas Stoller
• produção:Jim Carrey e Brian Grazer
• música:Theodore Shapiro
• fotografia:Jerzy Zielinski
• direção de arte:Gregory S. Hooper e Troy Sizemore
• figurino:Julie Weiss
• edição:Don Zimmerman

elenco:
• Jim Carrey (Dick Harper)
• Téa Leoni (Jane Harper)
• Alec Baldwin (Jack McCallister)
• Richard Jenkins (Frank Boscombe)
• Angie Harmon (Veronica Cleeman)
• John Michael Higgins (Garth)
• Richard Burgi (Joe Cleeman)
• Carlos Jacott (Oz Peterson)
• Gloria Garayua (Blanca)
• Walter Addison (Sam Samuels)
• Michelle Arthur (Secretária de Dick)
• Stacey Travis (Recepcionista de Jack)

Nota: 1,0 (categoria/parâmetro: comédia)

Dir-se-ia desse filme: mais uma típica comédia à lá Jim Carrey, que não acrescenta nada em nossas vidas, mas, oras, traz momentos divertidos e descompromissados para a família.
Nada disso é verdade, tirando, talvez a parte do “divertidos” (motivo pelo qual não dei zero ao filme). Ao final da leitura entenderão o que estou falando.
A “estética do descompromisso”, adotada por Hollywood desde seus primórdios, esconde muitas intenções por trás de um aparente descompromisso, um filme feito para o riso.
O objetivo primário desse tipo de filme é doutrinar: realçar, difundir e incutir no espectador o estilo de vida norte-americano: o americano-médio, o empresário, a instituição familiar tradicional, a luta pela ascensão na carreira são retratados de modo simpático e sem quaisquer questionamentos, a fim de causar empatia e, consequentemente, assimilação. São estilos de vida tão absolutos que se torna quase impossível imaginar algo diferente. Além disso, usando habilmente grandes chefes de empresas como vilões, o argumento que o filme constrói acaba demonstrando que o podre não está no sistema, na máquina empresarial em si e na busca por lucro característica da sociedade liberal burguesa, mas sim nos determinados chefes de empresa específicos que não conseguem absorver os “verdadeiros ideais americanos” necessários para se tornar maior do que o dinheiro que ele. Uma profunda hipocrisia, já que o próprio ideal americano endeusa e reverencia o dinheiro, o “sonho americano” coloca a riqueza sobre todas as coisas.

De quebra, o filme traz um olhar ameno para o latino-americano que cruza ilegalmente à fronteira em busca da “terra das oportunidades”, e que acaba tornando-se empregado de famílias de classe média ou vivendo na marginalidade. Ao retratar o latino bem-humorado e generoso, inerente à exploração a que ele é submetido, exploração que é devidamente mascarada por um filme de estética descompromissada, “Dick e Jane” se utiliza da mesma manobra de “...E o vento levou”, que retrata os escravos dos latifúndios sulistas sempre se divertindo, contando piadas, de abraços com seus donos e trabalhando noite e dia com um sorriso estúpido na cara. Uma manobra inteligente da máquina de ideologias que é Hollywood, que torna o explorado simpático ao público ao ponto de esquecermos que ele é explorado, disfarçando eficientemente as contradições da democracia liberal burguesa. Manobra que muda de alvo no decorrer das décadas, se adaptando ao contexto (“...E o vento levou”, de 1939, trazia a marca da segregação racial, e “Dick e Jane”, de 2005, traz a marca da segregação cultural, do protecionismo ao “americano de verdade”), mas cujo princípio é o mesmo.
Para completar, ao mostrar de modo cômico e descontraído uma família de classe média que tem que roubar para não ter que vender a televisão de plasma, o filme nos faz esquecer totalmente as famílias de classe baixa que têm que roubar para comprar comida. Mesmo porque, enquanto naquele caso o crime é remediado por uma atitude puritana e inverossímil no fim do filme, típica da falsa moral norte-americana, neste caso não há nem haverá condições de se remediar nada: eles não têm a alma americana, não merecem nem ser lembrados. Somando-se esse argumento sutil ao que é utilizado no retrato dos latinos, percebe-se claramente como Hollywood mascara a luta de classes, o que é uma artimanha tradicional pela qual o capitalismo se mantém, sendo utilizada desde muito antes da criação de Hollywood (“Mascarar a luta de classes” é um termo marxista, e Marx viveu no século XIX). Assim o cinema deixa de ser uma máquina de arte e se torna uma máquina político-ideológica.

Assim, concluindo, muita coisa é acrescentada (o que não é necessariamente positivo) na vida, nas concepções, nos ideais do público ingênuo, sem que ele se dê conta disso. Toda uma carga ideológica é difundida, transferida nas entrelinhas, incutida, seduzindo-nos, fazendo-nos acreditar no que é certo e no que é errado. Sem coragem e uma argumentação convincente, Hollywood, ao invés de realizar filmes explicitamente ideológicos que tentem convencer as pessoas a concordarem e a seguirem sua ideologia dominante (o que seria muito construtivo, no sentido de acalentar debates e reflexões), opta por induzir pessoas com pouco conhecimento através de mensagens subliminares. Ainda manipula todas as falhas, incongruências e contradições do sistema que sustenta, para que as vejamos como saudáveis ou sequer pensemos nelas. Afinal, o vilão é de “Dick e Jane” é de fato Jack McCallister, como se quer mostrar, ou a própria GloboDime?
Afinal, trata-se de um filme descompromissado?




- Um espaço para uma auto-defesa
Existem algumas pessoas de mente fechada que se deparam com esse tipo de análise e, sem maiores reflexões, bocejam: “É só uma comédia pra gente se divertir, como você é mau humorado!”. Se você não é esse tipo de gente, não precisa ler esse tópico, e, caso discorde de algo que eu expus, estou aqui sempre pronto para um acalorado debate; podemos aprender muito um com o outro.
Bom, alguns generalizam e dizem que sou contra todo tipo de comédia. Mas a verdade é que não há nada como um bom Woody Allen ou um Vittorio de Sica em sua segunda fase. Jorge Furtado, a dádiva de Gramado (RS), ou até mesmo os irmãos Coen, que tiveram a imaginação mirabolante de realizar “Queime depois de ler”. Sátiras políticas à lá “Dr. Fantástico” de Stanley Kubrick, o pastelão de Chaplin e até dos irmãos Marx. Tudo isso sem considerar as pérolas incontáveis do grupo Monthy Python, que nos matam de rir em “A vida de Brian”, “O Sentido da Vida” e “Em busca do cálice sagrado”. E é claro que, na falta de algo melhor, sempre há espaço para um bom Mel Brooks.
Até o “cara do mau”, Lars Von Trier, que fez filmes tensos como Dogville e O Anticristo, realizou uma comédia interessante: O Grande Chefe (cujo tema foi mais ou menos retomado pela comédia romântica fraca que é candidata ao Oscar 2010 de Melhor Filme, Amor sem Escalas)
Os exemplos bastam para mostrar que minha birra não é com o gênero de comédia, nem com Hollywood em si (Allen, Kubrick, Chaplin, Brooks, os Marx e os Coen são de lá). Mas com a canalhice implícita em uma corja de filmes de massa padronizadores de pensamentos, difundidos por uma Hollywood que permitiu que o que fora arte se tornasse instrumento de manipulação ideológica (assim como fizeram Mussolini e Hitler).
Perguntem a um típico chefe de empresa quais são seus filmes preferidos. Perguntem o que ele assistia na adolescência, durante a sua formação pessoal.



Sem prêmios ou indicações

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