domingo, 21 de fevereiro de 2010

Casablanca




produtora: Gênero: Drama, Romance
Direção: Michael Curtiz
Roteiro: Howard Koch, Julius J. Epstein, Philip G. Epstein
Produção: Hal B. Wallis
Música Original: Max Steiner
Direção Musical: Leo F. Forbstein
Fotografia: Arthur Edeson
Edição: Owen Marks
Direção de Arte: Carl Jules Weyl
Figurino: Orry-Kelly
Guarda-Roupa: Anthony Gasbarri
Maquiagem: Perc Westmore
Efeitos Sonoros: Francis J. Scheid
Efeitos Especiais: Willard Van Enger, Lawrence W. Butler
Efeitos Visuais: Chris Crowell
Pais: Estados Unidos

Elenco:
Humphrey Bogart (Rick Blaine)
Ingrid Bergman (Ilsa Lund Laszlo)
Claude Rains (Capt. Louis Renault)
Peter Lorre (Guillermo Ugarte)
Paul Henreid (Victor Laszlo)
Sydney Greenstreet (Signor Ferrari)
Dan Seymour (Abdul)
S.Z. Sakall (Carl, gerente do Café de Rick)
Conrad Veidt (Major Heinrich Strasser)
Dooley Wilson (Sam, o pianista)
Curt Bois (Batedor de carteiras)
Leonid Kinskey (Sascha)
Marcel Dalio (Emil, crupiê na Sala de Jogos do Café)
Norma Varden (Esposa do Inglês roubado)
Jean Del Val (Conspirador)
Monte Blue (Americano)
Louis Mercier (Contrabandista)
George Meeker (Amigo de Rick visto após a prisão de Ugarte)
Madeleine LeBeau (Yvonne)
Frank Puglia (Vendedor árabe)
Joy Page (Annina Brandel)
John Qualen (Berger)
Nino Bellini (Policial)
Martin Garralaga (Chefe dos Garções)
Geoffrey Steele (Cliente)
Oliver Blake (Garçom no "Blue Parrot")
Ilka Grüning (Sra. Leuchtag)
Charles La Torre (Oficial Tonnelli)
Torben Meyer (Banqueiro holandês numa mesa do Café)

Nota: 7,5 (parâmetro/categoria: amor em tempos de guerra)

Clássico de Massa: expressão por mim criada (ou não), referente a grandes sucessos comerciais da era de ouro de Hollywood que são geralmente vazios e regidos por determinadas fórmulas

Casablanca é um filme que surpreende.
Obstinado a fazer uma crítica de algum clássico de Hollywood, daqueles realmente bem famosos e idolatrados, mas que geralmente não prestam pra muita coisa, resolvi assistir novamente “Casablanca”, um filme que vira há muito tempo e sobre o qual não lembrava muita coisa (esquecera-me até mesmo de “sempre teremos Paris”), mas do qual guardava como reminiscências sensações não muito agradáveis. Esperava uma projeção de massa típica, que eu analisaria com indiferença e criticaria sem muito fervor, aproveitando, quiçá, para registrar algumas de minhas insistentes críticas à falta de autoria de um bloco de clássicos comerciais, e ao fato deles serem repetidamente elogiados por intelectuais e pseudocinéfilos simplesmente pelo fato de serem clássicos, não importando que sejam vazios ou recheados apenas por clichês e lugares comuns (terei em breve a oportunidade de desabafar esse meu desgosto quando escrever minha crítica ao idolatrado e nojento “Cantando na Chuva”)
Mas o caso não se aplica a Casablanca; fato que me espanta ele ter se tornado um “Clássico de Massa”. É certo que há forte presença de fortes elementos do cinema de massa de Hollywood, como os diálogos ágeis, precisos e cortantes; cenas engraçadinhas “quebra-gelo” com as daquele ladrão de carteiras que manda “tomar cuidado com os abutres”; a protagonização de um amor entre um casal que aflora por sobre toda a sorte de infortúnios, caos e contextos adversos a ele; a virtude e boa moral como guia dos passos dos personagens principais (toda a rudeza de Rick é indenizada pelos seus atos finais); a divulgação do padrão de beleza norte-americano através de uma mocinha de beleza estonteante (embora Ingrid Bergman seja sueca, é fato que ela encarnou-se na indústria em que se inseriu) e até mesmo através da imagem de durão irresistível e elegante do personagem de Bogart (imagem que, aliás, se tornou marca registrada do ator em sua carreira em Hollywood); o desenvolvimento linear da narrativa com introdução (ao contexto e aos personagens), desenvolvimento do complexo narrativo, clímax (de preferência com frases de impacto) e desfecho; e, principalmente, o exacerbado patriotismo norte-americano (afinal, era para os EUA que fugiam os refugiados; América = liberdade).*Contudo estes elementos, mesmo que atuando impecavelmente a fim de conseguir seu público, não dominam o enredo ou a personalidade dos personagens, mas está a seu favor (ao contrário do que acontece nos típicos “Clássicos de Massa”). Agora, se o enredo e os personagens se construíssem sem a necessidade de tais elementos, aí já seria um bom filme de arte, uma impecável obra autoral, e isso... já é pedir demais de Casablanca.


Pode-se dizer que, dentro do contexto em que nasceu, em uma Hollywood dos anos 40 cada vez mais ávida por dinheiro, cujos diretores sofriam pesadas pressões das gravadoras e a liberdade artística era mínima, Casablanca fez um milagre – ou quase um milagre – ao conseguir discutir certos tópicos interessantes, demonstrar profunda sensibilidade em algumas cenas e, principalmente, não se deixar escorregar sobre determinados chavões que conduziriam a trama para um caminho muito fácil. Talvez exatamente por, apresentando tais nítidas diferenças das cascatas de obras idênticas que as grandes produtoras despejavam sobre um público pouco exigente, Casablanca tenha se destacado mais do que outros tantos filmes de guerra ou de amor ou de amor em tempos de guerra que brotaram naquela época. E o norte-americano médio, com um mínimo de senso artístico e sensibilidade lá no fundo de um âmago fedendo a hambúrguer, tenha gostado mais deste que de outros, e não saiba até hoje dizer o porquê.

-Discussão de tópicos
Casablanca escapa da filosofia de sofá à lá Homer Simpsons (“nada que exija mais de dois passos vale a pena”), que domina a cultura do norte-americano médio, ao discutir a importância do engajamento político e da luta por ideais na construção da personalidade e da identidade de um homem. É claro, todos sabemos que Hollywood só defenderia tal engajamento quando este lhe for conveniente (não a imaginamos fazendo um Clássico de Massa sobre o Che Guevara durante a Guerra Fria). Mas, estabelecendo nós, os espectadores, um inimigo em comum, em acordo aos Estados Unidos do início dos anos 40 (a expansão nazi-fascista), esquecendo por um momento todo o interesse expansionista dos próprios Estados Unidos envolvido nesse posicionamento, não poderemos negar que a discussão que o filme propõe se presta ao que veio. Quando Ilsa (Ingrid Bergman) diz a Rick (Humphrey Borgat) que ele é um homem que um mulher magoou, e que quer descontar isso no mundo, fica nítido o movimento pendular, de influência mútua, entre os sentimentos pessoais de um homem e seu posicionamento diante do mundo que o cerca. E como uma frustração em um desses patamares se reflete no outro. O mesmo mostra Rick ao dizer à Ilsa, na despedida no aeroporto, que ela precisa ir com Victor Laszlo (Paul Henreid), porque ela é essencial para a luta em que ele se engajou (não lembro exatamente as palavras). E o modo de Ricky de contribuir que essa luta continue foi abrir mão de sua amada e deixá-la ir com Laszlo. Nessa luta entre os dois patamares mencionados, que Rick realizou durante todo o filme, ao final ele optou pelo coletivo. Um final um tanto platônico, um tanto improvável, contudo muito mais digno e verossímil que o egocentrismo romântico tradicional, que nos daria um final com o casal principal juntos e Laszlo esquecido na indiferença do público, como se, pelo simples fato de não protagonizar o filme, ele não tivesse nenhum valor.
Nessa luta interna de Ricky que foi mencionada, Ilsa serve como mediadora. De um lado, ela representa o sentimento egoísta de Ricky (não leiamos aqui egoísmo como algo plenamente ruim, não sejamos moralistas) que foi frustrado; de outro, ela representa seu antigo idealismo, através de sua profunda ligação com um rebelde tão importante quanto Laszlo. Ela não é uma mocinha ingênua, arrastada pelos acontecimentos e por suas paixões desmedidas, que nunca sabe o que está acontecendo e deixa-se enganar por todos (elementos que caracterizam essa mesma atriz em um típico Clássico de Massa, À Meia Luz, e que caracterizam centenas de mocinhas em centenas de Clássicos de Massa). Ela é frágil (característica que o filme torna bastante coerente), mas não é ingênua. Não é o mero objeto feminino que Hollywood costuma mostrar. Ela tem posicionamentos, engajamento, é dona de suas paixões, toma atitudes e rouba várias cenas.
O filme também mostra a corrupção nos bastidores da política de guerra, representada pelo capitão Renault (Claude Rains), que chega a trocar vistos de saída de Casablanca por uma noite de sexo com a refugiada. Seu personagem também simboliza a falta de engajamento/posicionamento político das autoridades, preocupadas apenas com seus próprios interesses. “Não tenho convicções políticas, se é isso o que quer dizer. Vou com o vento, e o vento mais forte vem do governo atual em Vichy”. O mesmo personagem dissera “Tentamos cooperar com seu governo, major, mas não podemos legislar os sentimentos do nosso povo”, quando um freqüentador do Ricky”s se mostra indignado com o envolvimento de Yvonne (Sydney Greenstreet), antiga amante de Ricky, com um alemão, e arma uma briga. Essa cena mostra que, diferentemente das autoridades, os oprimidos pela guerra não são tão indiferentes assim.
É claro que há um toque inevitável de Hollywood quando, ao final, o capitão Renault cede à sua antipatia pelo major Strasser (Conrad Veidt), antipatia essa causada por este “obrigá-lo” a se corromper. Sua colaboração com Ricky no final simboliza um arrependimento e esconde sutilmente uma carga de moralismo. Isso é amenizado pela amizade que ele nutria por Ricky, fato que torna a cena um pouco mais verossímil.

-Sensibilidade
O primeiro grande exemplo que nos vem à cabeça de como o filme pôde ser destacadamente sensível em algumas cenas dispensa comentários. “Sempre teremos Paris” entrou para a história. Uma bela cena de amor, sem o egocentrismo dos românticos.
Mas exemplo máximo e definitivo é outro: a cena em que Victor Laszlo manda aos músicos do Rick’s que toquem a Marselhesa, e Ricky permite. A expressão emocionada que o ator Paul Henreid consegue pôr no rosto deixa clara toda a paixão de Laszlo pela sua causa, os brilhos nos olhos de Ingrid Bergman refletem a admiração de Ilsa pelo seu marido. O próprio Ricky se denunciou, pois se fosse apenas um frio dono de bar, indiferente aos problemas do mundo, personalidade que ele quer vender a todo custo, não teria deixado os músicos tocarem, o que poderia lhe render problemas, e de fato rendeu. A euforia de todos os que mergulham no significativo hino da França não obstante a presença dos oficiais alemães demonstra toda a magnitude de um sentimento coletivo, um uníssono por liberdade. E, de quebra, uma cutucada nos Homers filósofos de sofá.

Contudo, é certo que não passa despercebido por um olhar mais atento um sutil recheio de hipocrisia por baixo da grossa camada de sensibilidade. Os ideais da Revolução Francesa que são nessa cena aclamados limitam sua luta por liberdade a uma liberdade puramente jurídica primeiramente e, amadurecidos, a nada mais que uma liberdade de mercado. Aclama-se, nessa cena, a burguesia liberal, essa que ascendeu no seio da Revolução Francesa e foi tão acolhida pelos braços da América. Trata-se, pois, de nada mais que uma eufórica e emocionada ovação aos ideais e, palavra mais adequada, interesses norte-americanos, em seu eterno processo de expansionismo, ovação essa que é justificada aos olhos do público pelo confrontamento que representa a um inimigo comum (com ideais e interesses muito diferentes dos EUA), o nazifascismo.
Mesmo assim, embora saibamos que a luta ao nazifascismo é apenas uma desculpa para o patriotismo norte-americano e a exportação do American Way of Life (depois de “Independence Day” está mais do que claro como Hollywood é capaz de inventar e enfiar na nossa goela qualquer “inimigo comum” possível ou impossível para que possa se auto-ovacionar), temos que, por um momento, fazer vista grossa sobre os bastidores, lembrando em nossa consciência o contexto extremamente limitador em que Casablanca foi concebido (Hollywood dos anos 40), para, ao menos dessa vez, aceitarmos esse inimigo em comum. Aceitando-o, assimilaremos esse grito por liberdade que é a cena da Marselhesa. Só assim contemplaremos o filme por si só, e nos presenteando com a oportunidade de sentir tudo isso que ele nos proporciona sentir, e de nos emocionar-mos.
Mais ou menos o que eu já tinha dito no trecho em que mencionei Che Guevara

-Parte técnica
Comentários rápidos para a parte técnica (já cansei de escrever sobre esse filme).
Embora a excessiva (embora divertida) agilidade e acidez de alguns diálogos típicos de Hollywood deixem Humphrey Borgat por vezes um pouco caricatural, ele consegue ter uma atuação de qualidade, ao encarnar um homem sisudo que “já vendeu armas à Etiópia, já lutou na Guerra Civil Espanhola, já amou”, e hoje é apenas “um dono de bar, que não se arrisca por ninguém”. Ingrid Bergman, neste filme (isto não é um padrão) atua divinamente. Paul Henreid oscila expressões sensíveis como na cena da Marselhesa e momentos totalmente inexpressivos. Claude Rains é caricatural do começo ao fim, mas isso até rende momentos divertidos. Destaque para a atuação de Dooley Wilson como o pianista Sam, que encarna com desenvoltura e carisma o típico jazzista norte-americano.
A música é pontual, oscilando, no momento certo, entre o divertido (a gostosa música de bar tocada por Sam), o vigoroso e apaixonante (Marselhesa), e o romântico (destaque para “As Time Goes By”, canção-tema do filme, que serve como elo entre o presente e o passado dos personagens). A trilha incidental é a mesma de qualquer filme de Hollywood e não merece maior destaque.
Destaque para a também pontual (e bela) fotografia P&B.

-Curiosidades Fonte: livro 2 (Casablanca) da Coleção Folha Clássicos do Cinema
-Casablanca inspirou-se em uma obra de teatro que havia sido recusada pelos empresários da Broadway, quando o normal era que Hollywood só se interessasse pelos grandes sucessos. “Everybody Comes to Rick’s” fora escrita por Murray Burnett e Joan Alison que, numa viagem à Europa, se comoveram com o drama dos refugiados políticos que ali conheceram. Ao visitarem um café em Viena, fizeram amizade com o pianista e pensaram que um personagem como ela seria adequado para centralizar as diversas histórias sobre refugiados que iriam escrever.
- A constante mudança de roteiristas tornou a filmagem um caos. Os Epstein deram o tom irônico do filme (“Qual é a sua nacionalidade?” “Sou um bêbado”), mas foram convocados por Frank Capra pra escrever uma série de documentários patróticos. Então veio Howard Koch, que insitiu que era necessário que o filme sustentasse valores morais, em tempos de guerra. Um quarto roteirista, Casey Robinson, não creditado, exagerou no tom romântico (“Isso foi um canhão? Ou o meu coração batendo?”). O diretor Michael Curtiz se desesperava por não ter nas mãos um roteiro definido e se indispunha com toda a equipe. Ingrid lhe perguntava por quem afinal de contas ela estava apaixonada, e ele respondia “Ainda não sei, enquanto isso... represente”. O cara que pôs ordem no caos, no final, foi o editor Owen Marks, indicado ao Oscar (na Hollywood daqueles tempos o diretor não intervinha na montagem final do filme).
- Uma das frases mais famosas e idoltradas do filme (“play it again, Sam”) na verdade não foi dita. Ilsa disse “Play it, Sam, play”.
- Woody Allen, em seu filme “Sonhos de um Sedutor”, tem como protagonista um inseguro e atrapalhado crítico de cinema que recebe “consultoria” do fantasma de Rick para se comportar com maneira viril e sedutora com as mulheres. O compositor desse filme, Max Steiner, é o mesmo de Casablanca.


Prêmios
Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, EUA

Oscar de Melhor Filme

Oscar de Melhor Direção (Michael Curtiz)

Oscar de Melhor Roteiro Original

Indicações
Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, EUA

Oscar de Melhor Fotografia

Oscar de Melhor Ator (Humphrey Bogart)

Oscar de Melhor Ator Coadjuvante (Claude Rains)

Oscar de Melhor Edição

Oscar de Melhor Trilha Sonora

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