domingo, 21 de fevereiro de 2010

Os Intocáveis


• estúdio:Paramount Pictures
• distribuidora:Paramount Pictures
• direção: Brian De Palma
• roteiro:David Mamet, baseado em livro de Oscar Fraley, Eliot Ness e Paul Robsky
• produção:Art Linson
• música:Ennio Morricone
• fotografia:Stephen H. Burum
• direção de arte:William A. Elliott
• figurino:Giorgio Armani e Marilyn Vance
• edição:Gerald B. Greenberg e Bill Pankow
• efeitos especiais:EFX Unlimited, Inc. / Associates & Ferren
elenco:
• Kevin Costner (Eliot Ness)
• Robert De Niro (Al Capone)
• Sean Connery (Jim Malone)
• Charles Martin Smith (Oscar Wallace)
• Andy Garcia (Giuseppe Petri)
• Richard Bradford (Mike)
• Jack Kehoe (Payne)
• Brad Sullivan (George)
• Billy Drago (Frank Nitti)
• Patricia Clarkson (Esposa de Eliot Ness)
• Peter Aylward (Tenente Anderson
Nota: 4,0 (categoria/parâmetro: filme de máfia)

Brian de Palma ficou reconhecido não pelo processo narrativo, conteúdo, profundidade, sensibilidade ou engajamento de suas obras, mas sim pelas suas aptidões técnicas, com destaque para o uso peculiar da câmera e de tomadas de imagem. Tais características estão todas presentes e marcantes nesse que virou um clássico do filme de gângster: não são poucas as não convencionais tomadas de cima, pelas quais se analisa a cena como um todo, um conjunto, como num painel; uso da câmera na mão; planos-sequência, como aquela que se tornou sua marca registrada, em que a câmera age como olhos de um personagem que se espreita na surdina e não pode ser visto, criando suspense, e geralmente um suspense muito eficiente (nesse filme há a cena sufocante em que um mafioso entra pela janela na casa de Jim Malone, personagem de Sean Connery); e o momento crítico filmado em câmera lenta e de vários ângulos, prendendo durante toda sua projeção a respiração de um espectador ansioso e atônito para saber quem irá matar e quem irá morrer ao final. O exemplo máximo dessa habilidade técnica do diretor está naquela que se tornou uma das cenas mais conhecidas do cinema norte-americano, a do carrinho de bebê caindo pela escada da estação de trem, enquanto um Kevin Costner e um Andy Garcia angustiantes tentam ao mesmo tempo aniquilar um bombardeio de mafiosos que surgem por todos os poros, capturar o contador de Al Capone e, ainda por cima, salvar o carrinho de bebê. E conseguem. Sintetizando, assim, todo o heroísmo e moral sobre-humanos que Hollywood procura repetidamente enfatizar em seus protagonistas, que contam com a ajuda apenas de uma virtude incorruptível (intocável, eu diria), muita habilidade, um humanitarismo em furor para fazer o bem e uma boa dose de efeitos especiais.
Embora essa famosa cena conte com tamanho requinte técnico e um eficiente fator de comoção que é inserir a inocência de um bebê no meio de um ambiente hostil e violento de gângsters e policiais, qualquer pequeno conhecedor de cinema, com um pouco de atenção, notará que ela já fora realizada 62 anos antes de Brian de Palma copiá-la, com muito menos tecnologia, efeitos especiais e pretensões, mas com uma carga emocional e uma mensagem social muito mais penetrantes. Trata-se da cena da escadaria de Odessa, do clássico do cinema revolucionário russo O Encouraçado Potemkin, de 1925. De Palma afirmou apenas que a cena o “inspirou”, mas as circunstâncias tornam os limites entre inspiração e plágio muito tênues.
Então pronto. Apontamos todas as peripécias técnicas, as tomadas de câmera fantásticas e raras vezes imitadas no mesmo nível (até o que eu conheço de cinema, um dos poucos que rivalizam com Brian de Palma a arte do plano-sequência é Quentin Tarantino); comentamos as cenas filmadas de cima, de baixo, de todo jeito, e então... o que resta? E a profundidade, o conteúdo, o engajamento, o retrato de uma época, a arte? Cadê a arte?
Ok, sejamos menos exigentes. Os mafiosos? Cadê os mafiosos? Cadê a polícia da Chicago dos anos 30? Cadê Chicago dos anos 30? O que temos é um punhado de personagens caricaturais, sem personalidade, imersos em uma época e um ambiente mal caracterizados e defrontando-se durante duas horas de projeção, de um lado pelo bem, pela moral e pelos bons costumes, e do outro por interesses, por ganância, por arrogância, por poder, pelo mal, por tudo aquilo que o fiel público de Hollywood despreza com unhas e dentes, sem saber muito bem do que se trata.
Transformar a complexa história da máfia italiana nos Estados Unidos, aliás de Al Capone, o mais mundialmente famoso representante dessa máfia, transformar a Lei Seca dos Estados Unidos pós-primeira Guerra Mundial, em uma aventura de mocinhos e bandidos, em um embate épico e maniqueísta entre o bem e o mal, com a pretensão de se fazer um filme sério, é um desrespeito à História de tal tamanho, uma apropriação explícita de uma época e da máquina de cinema com o mero objetivo do lucro, que não merece perdão. Não merece perdão porque é uma destruição.
O filme não põe em discussão qualquer tema, não aprofunda nenhum aspecto. Propuseram-se a fazer um filme sobre Al Capone, mas terminamos sem saber nada sobre ele além de que gostava muito de beisebol. Todos os lugares-comuns estão ali: o mocinho virtuoso e incorruptível; o ancião que passará toda a sua sabedoria e experiência de vida ao mocinho virtuoso e incorruptível até morrer e dar assim ao seu aprendiz a chance de seguir sozinho seu próprio caminho, os escudeiros do mocinho virtuoso e incorruptível, um deles extremamente carismático, engraçado, quase um palhaço, que quebrará o gelo para que o filme se torne digerível para o público, e que morrerá tragicamente, para a lamúria de todos, e necessitará de vingança, o outro extremamente habilidoso e passional, representando assim, todos juntos, a união das caricaturas das personalidades que um ser humano pode ter. E os quatro super-heróis irão, sem ajuda de demais policiais ou do governo, ingressar de cabeça e de capa voadora em sua luta por justiça, contra uma organização criminal de tamanhas proporções quanto foi historicamente a máfia de Al Capone, que, como é dito no próprio filme, era já considerado o “prefeito de Chicago”.
Chicago. Em algumas passagens os personagens comentam a lugubridade e a violência de Chicago (“Se ele tira uma faca, você tem uma arma. Se manda um dos seus pro hospital, você manda um deles para a cova. Tem que ser assim em Chicago”, diz o mestre Jim Malone, ou: “Não concordo com seus métodos”, diz o chefe da polícia montada do Canadá, “Você não mora em Chicago”, responde Eliot Ness (o mocinho virtuoso e incorruptível vivido por Kevin Costner). Mas eles só comentam, porque o filme não mostra lugubridade alguma. Os Intocáveis consegue transformar a Chicago dos anos 30, com todos os seus becos, sua violência, sua sujeira e sua guerra civil, em um verdadeiro parque de diversões.
E a Lei Seca, que vigorou nos Estados Unidos de 1920 (após o país sair soberano da Primeira Guerra Mundial e adentrar a prolífera Era do Jazz, começando a exportar ao mundo os seus costumes, sua cultura e sua moral) até 1933, o que o filme nos traz sobre ela? O único aprofundamento é a legenda de abertura do filme (que, aliás, é sobreposta em uma das filmagens panorâmicas à lá Brian de Palma), que traz apenas o básico para nos contextualizarmos sobre o que a história se trata. Não discute-se se o problema social está no tráfico ilegal de bebida que a máfia realiza, ou se o buraco está mais baixo, na aprovação de uma lei absolutamente moralista, enraizada às tradições puritanas, fruto de mais uma tentativa desesperada dos Estados Unidos de solidificarem sua imagem de mãe protetora do mundo e fonte de bons exemplos. Não é preciso doutorado ou mesmo formação acadêmica para saber que a História não é formada por mocinhos e bandidos, mas sim por jogos de interesses. O governo tem interesse em proibir a bebida, a máfia tem interesse em vendê-la, e não se esqueçam, a polícia tem interesse em impedi-la de fazê-lo, ou, quem sabe, corroborar por um determinado preço.
A firme distinção entre mocinhos e bandidos do filme poderia significar que os seus realizadores posicionam-se em favor da Lei Seca e concordam com a sua validade, o que traria algum argumento ao filme; mas algumas evidências demostram que sequer isso ocorre. O fato é que eles não têm posicionamento algum, pra eles tanto faz quem é o mocinho e quem é o bandido, mas tem que ter um mocinho e um bandido, afinal de contas. O personagem de Kevin Costner é extremamente contraditório. Ele opõe-se à máfia com todas as suas energias, reconhecendo-a como o alicerce de todo o mal que aflige o seu mundo. Mas ele cede à sua lógica no momento em que joga Frank Nitti, o “homem de terno branco” (Billy Drago) de cima do prédio ao invés de mandá-lo a julgamento (já que talvez ele fosse absolvido), saciando assim a avidez do público pelo sangue daquele que só fez ruindade o filme todo. A máfia surgiu como forma de banditismo social, é fazer por si mesmos o que o governo não lhes faz, é “fazer justiça pelas próprias mãos”. Não foi exatamente o que Eliot Ness fez ao tomar esta atitude? Justo ele que é tão ferrenho defensor das leis promulgados pelo governo, sejam leis justas ou não? Pois ele próprio, que lutou em defesa da Lei Seca durante todo o filme, ao final, quando lhe perguntam o que fará se a Lei for revogada, responde animadamente: “Vou tomar um drinque”. Essa cena final torna muito claro o alienamento do personagem pelo qual torcemos o filme todo. Ele não é contra que as pessoas bebam, é contra que desrespeitem a lei, não entrando no mérito se ela é válida ou se é absurda. Ele não aprova e luta por uma lei por concordar com ela, mas simplesmente pelo fato dela ser lei, ter nascido lei, pelo governo ter dito que isto é certo e bonito.
Um comentário do próprio ator, Kevin Costner, resume essa crítica: “É por isso que fazemos cinema, para matar bandidos”. Brian de Palma disse, aparentemente satisfeito, que “as pessoas terminam de ver o filme e se sentem bem”. Mas um filme ambientado num contexto tão caótico sobre a história dos Estados Unidos, um filme sobre a máfia, a última coisa que deveria proporcionar ao público é bem-estar. Nesse caso, bem-estar é sinal de fracasso.

- O que salva o filme
Um dos aspectos que salva Os Intocáveis é muito forte e deve ser levado em consideração, que é o já citado no início dessa crítica. As habilidades técnicas e inovações no uso da câmera de Brian de Palma são incontestáveis.
Outro aspecto, tanto ou talvez até mais relevante, é, de certa forma, também mérito de de Palma: a atuação de Roberto de Niro como Al Capone, inconfundível e responsável por algum dos momentos documentais e sensíveis que o filme traz. O modo como ele se indigna por ter sido insultado na frente do filho, na cena em que Ness vai desafiá-lo, é um registro bem relâmpago, contudo presente, da unidade familiar tão simbólica na organização mafiosa. A paixão da cultura italiana pela ópera é magistralmente registrada pela expressão profundamente emotiva que esse magnífico ator consegue encanar na feição de seu personagem quando este assiste um concerto (tão fascinado que sequer consegue dar bola ao homem do terno branco que vem lhe informar que Jim Malone foi morto). O poder que Al Capone detinha é encarnado pelo sorriso debochado e confiante característico do de Niro, que ele transmite nas várias passagens em que seu personagem é entrevistado nas coletivas. Trata-se de um ator único na história do cinema, e sua mera presença, se eleva até “Entrando numa Fria”, o que não se dizer de um filme de máfia, num papel que é seu forte e no qual foi consagrado, principalmente por sua trajetória com o Scorsese?
De Palma lutou para inseri-lo no elenco, visto que a produtora não queria pagar o alto cachê que de Niro estava exigindo; e foi muito corajoso, pois ameaçou até abandonar o filme caso não lhe permitissem escalá-lo.
E para finalizar, Os Intocáveis, afinal de contas, com toda sua carência de conteúdo, caberá perfeitamente na programação de um espectador que tenha enfrentado um dia difícil no trabalho ou que, por um motivo ou outro, esteja cansado, e, portanto, busque algum entretenimento vazio que lhe relaxe a mente e descontraia os ânimos. Um bom filme de ação que, ainda por cima, lhe preencherá a estante de clássicos. Prêmios Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, EUA Oscar de Melhor Ator (Sean Connery) Academia Britânica de Cinema e Televisão, Inglaterra Prêmio de Melhor Trilha Sonora Círculo de Críticos de Cinema de Londres, Inglaterra Prêmio Ator do Ano (Sean Connery) Prêmios Globo de Ouro, EUA Prêmio de Melhor Ator Coadjuvante (Sean Connery) Sindicato dos Jornalistas Críticos de Cinema, Itália Prêmio Fita de Prata de Melhor Trilha Sonora Indicações Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, EUA Oscar de Melhor Direção de Arte Oscar de Melhor Figurino Oscar de Melhor Trilha Sonora (Ennio Morricone) Academia Britânica de Cinema e Televisão, Inglaterra Prêmio de Melhor Ator Coadjuvante (Sean Connery) Prêmio de Melhor Design de Produção Prêmio de Melhor Figurino Academia Japonesa de Cinema, Japão Prêmio de Melhor Filme em Língua Estrangeira Prêmios Globo de Ouro, EUA Prêmio de Melhor Trilha Sonora Original (Ennio Morricone) Prêmios César - Academia das Artes do Cinema, França César de Melhor Filme Estrangeiro

Um comentário:

  1. ADORO ESSE FILME ENDY GARCIA FOI MAIS QUE PERFEITO E OS DEMAIS KELVIN COSTNER MUITO BOM FILME ASSISTIR VARIAS VEZES ESSE EU RECOMENDO

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