quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

As invasões bárbaras


• título original:Les Invasions Barbares
• gênero:Drama
• duração:01 hs 39 min
• ano de lançamento:2003
• site oficial:
• estúdio:Astral Films / Centre National de la Cinématographie / Cinémaginaire Inc. / Le Studio Canal+ / Harold Greenbury Fund / Productions Barbares Inc. / Pyramid Productions / Société Radio-Canada / Téléfilm Canada/ Soci
• distribuidora:Miramax Films / Art Films
• direção: Denys Arcand
• roteiro:Denys Arcand
• produção:Daniel Louis e Denise Robert
• música:Pierre Aviat
• fotografia:Guy Dufaux
• direção de arte:Caroline Alder
• figurino:Denis Sperdouklis
• edição:Isabelle Dedieu
elenco:
• Rémy Girard (Rémy)
• Stéphane Rousseau (Sébastien)
• Dorothée Berryman (Louise)
• Louise Portal (Diane)
• Dominique Michel (Dominique)
• Yves Jacques (Claude)
• Pierre Curzi (Pierre)
• Marie-Josée Croze (Nathalie)
• Marina Hands (Gaëlle)
• Toni Cecchinato (Alessandro)
• Mitsou Gélinas (Ghislaine)
• Johanne-Marie Tremblay (Irmã Constance)
• Denis Bouchard (Duhamel)
• Micheline Lanctôt (Enfermeira Carole)
• Markita Boies (Enfermeira Suzanne)
• Izabelle Blais (Sylvaine)
Nota: 9,6 (categoria/parâmetro: drama leve)

Uma obra-prima extremamente sensível sobre ideologia, amizade e morte. Um tratado sobre a pós-modernidade. Invasões Bárbaras é um marco no cinema canadense, vencedor de prêmios como o Oscar de melhor filme estrangeiro e Cannes de melhor roteiro para Denys Arcand, que é também o diretor – além de Cannes de melhor atriz para Merie-Josée Croze, valendo-me no entanto ressaltar que na verdade todas as atuações estão perfeitas.
Rémy, antigo esquerdista ferrenho dos anos 60, ser humano inerente a qualquer instituição – seja a empresa, o casamento, etc –, libertino, intelectual bonachão, mulherengo e despreocupado com a vida – e, por isso mesmo, apaixonado por ela –, então à beira da morte em uma sala particular comprada com muito suborno pelo filho empresário, é a personificação ácida e fatal do fim de toda uma ideologia consternada e esperançosa, é o perecimento de toda uma geração que surgiu para mudar o mundo – mas não mudou; ou pelo menos não nas dimensões almejadas. É o último remanescente de uma era moderna que não voltará. E seu último ato individual de liberdade – numa era de liberdades institucionalizadas – foi poder escolher a hora de sua morte; e perceber, numa cena linda em que ele, em seus últimos momentos, relembra a bela atriz – a primeira das – com quem sonhava quando jovem (“na primeira vez que acordei e vi que tinha sonhado com os mares do Caribe percebi que tinha ficado velho”), que a morte não o afasta da vida, mas ao contrário, o aproxima dela. Em sua morte ele tornou-se mais vivo do que o fora durante a velhice. Como dissera Natalie, a drogadita: “não é a sua vida atual que você não quer perder, mas a passada, e esta você já perdeu”. Perdida, mas de certo modo retomada no momento da morte, essa que foi uma escolha – o que não significa pecado –, certamente triste – o que não significa trágico/melancólico –, porém bela, profunda e humana – o que não significa idealizada ou escapista.
Antes de morrer Rémy perdoa o filho yuppie que se tornara tudo o que ele sempre renegara, e de certo modo também é perdoado: algo também muito simbólico; a conciliação entre os antagonismos. As invasões bárbaras dos anos 60 não tiveram as mesmas proporções que as que atingiram o Império Romano – embora mesmo os bárbaros daquela época tenham inserido em sua cultura alguns hábitos dos “civilizados”. Que destino terão as invasões bárbaras fundamentalistas do século XXI ?
O filme todo nos remete ao poeta latino Ovídio quando este afirmava que o tempo é o devorador de todas as coisas. Assistimos, através da degradação física de um Rémy já velho e convalescente, o falecimento de uma geração, de uma cultura, da barbárie que era a rebeldia moderna e seus sonhos. Bem-vindos à pós-modernidade. À idade contemporânea. À nova era.

-Abordagens múltiplas
Invasões Bárbaras é rico por abordar o declínio dos ismos modernos e a ascensão da mentalidade contemporânea não sob um único viés, mas sob abordagens amplas e diferentes, abrindo assim para os espectadores margem para discussões extremamente construtivas. Se a obra promove discussões sociológicas ao inserir no enredo discussões sobre temas como religião, a utilização do dinheiro como mecanismo de poder e até mesmo para comprar pessoas, e o significado simbólico do ataque às torres gêmeas, ou mesmo satirizando os “ismos” que guiaram os passos de toda uma geração inconformada (a geração dos personagens principais), também é profundo filosoficamente no debate acerca de certos conceitos como a inteligência – ela é individual ou coletiva? Fora as abordagens psicanalíticas, que têm dois pontos marcante: quando Natalie refere-se à primeira experiência com a heroína como a qual sempre tenta-se retornar (fazendo referência ao conceito freudiano da primeira mamada), e quando a filha de Rémy, despedindo-se dele antes de sua morte (através de um mecanismo contemporâneo que é a ligação dos vários pólos globais por tecnologia via satélite), refere-se a ele como o homem de sua vida. Fora também o debate moral acerca de temas como a eutanásia – esta que é, no filme, tratada com absoluta naturalidade, naturalidade que já não é mais concebida na geração pós-moderna. E, finalmente, as discussões sobre sexo, o tema inserido ao mesmo tempo em todas as abordagens citadas. Além de tudo isso, o olhar direcionado a todos esses temas – pouco-convencional, amoral, muitas vezes subversivo –, essa perspectiva tão humana contribui para que se ultrapasse o mero debate acadêmico e proporciona a todos eles uma profundidade muito difícil de ser alcançada – ainda mais tratando-se de tantos e múltiplos temas em apenas uma hora e meia de projeção.
O que se obtém somando tudo isso é um belo desnudamento da alma humana – e sua contextualização social na era pós-moderna – que exige tempo – e muito debate com pessoas de outras áreas – para ser digerido. Não é, definitivamente, um filme que se esgote em si mesmo. Trata-se de uma porta aberta

-Final simbólico e o valor da amizade
O filme, caracterizado por um olhar leve sobre a vida – trazendo implicitamente o mesmo argumento de Beleza Americana e outros dramas leves segundo o qual assuntos sérios e delicados não são necessariamente trágicos e melodramáticos –, deixa seu otimismo marcante em passagens como a que, na hora de morrer, Remy retoma por um momento seus sonhos eróticos de juventude. Mas esse otimismo tranquilo se torna indubitavelmente apaixonante na última cena. A união de dois produtos da pós-modernidade, simbolizada pelo beijo de Sebastien e Natalie, consiste na abdicação de ambos os lados de valores e conceitos arraigados nessa mentalidade emergente da qual fazem parte. Sebastien entra em contato com a relação humana não-institucionalizada, que é movida pela paixão – sentimento – e não pelo capital e por contratos formais. Assim, abandona também, ao menos num momento, de seu puritanismo (ele que criticara tanto o pai por sua “devassidão” sexual, suas “puladas de cerca”). Natalie, por sua vez, que encontra no vício o escape das turbulências e do redemoinho que é a psicótica vida pós-moderna, marcada por tantas exigências sociais a serem cumpridas, acaba descobrindo um horizonte alternativo (por assim dizer), que não é mais escape, mas onde ela pode ser ela mesma. A mensagem de Denys Arcad é clara: a pós-modernidade é volúvel, líquida como qualquer era, sua cultura e mentalidade necessitam de alicerces como qualquer outra, alicerces que, sim, são construídos e portanto são abaláveis, estão sujeitos às invasões bárbaras.
E a amizade tem valor intrínseco em tudo isso. Essa paixão, o contato, o calor humano, esse afeto animal, quase que instintivo, é o que nos resta de inerente a tudo que o que nos é moldado pelas eras, tudo o que nos é pensado pelas culturas, tudo o que nos é construído pela “civilização”.



Prêmios:

Ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ter sido nomeado na categoria de melhor roteiro original.

Recebeu uma nomeação ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.

Recebeu duas nomeações ao BAFTA, nas categoriasde melhor filme estrangeiro e melhor roteiro original.

Recebeu quatro nomeações ao César, nas categorias de melhor filme, melhor realizador, melhor roteiro e melhor revelação feminina (Marie-Josée Croze).

Ganhou no Festival de Cannes os prêmios de melhor atriz (Marie-Josée Croze) e melhor roteiro.

Ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro, no European Film Awards.

Ganhou o Grande Prêmio Cinema Brasil de melhor filme estrangeiro.

2 comentários:

  1. EU AMO ESSE FILME.
    chorei, ri e me apaixonei por ele.
    acho que o revi umas 5 vezes.

    A cena quando ele escolhe morrer ainda me toca profundamente. E eu fico, inevitavelmente, horas pensando no assunto. É a beleza triste da vida. A liberdade consciente. A ideia de que ao final, morrer não é ruin, não é fugir, é simplismente morrer. Como Shakespeare disse : He died. simples assim. nada de grandes efeitos ou freses filosoficas. só morrer.
    Entede?

    espero que sim. a explicação pra isso é muito grande. hahaha

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  2. Eu entendi o que você disse, mas minha interpretação é um pouco diferente.
    Pra mim, ele não "escolheu morrer". Ele já estava morto, e isso remete não só a ele, mas a toda a geração que ele simboliza (e isso não é exatamente simples). Nesse sentido, a eutanásia de Rémy não foi mais do que um ponto final.

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