terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Encontros e Desencontros


• título original:Lost in Translation
• gênero:Drama
• duração:01 hs 45 min
• ano de lançamento:2003
• site oficial:http://www.lost-in-translation.com/
• estúdio:American Zoetrope / Elemental Films / Tohokashinsha Film Company Ltd.
• distribuidora:Focus Features
• direção: Sofia Coppola
• roteiro:Sofia Coppola
• produção:Sofia Coppola e Ross Katz
• música:Brian Reitzell e Kevin Shields
• fotografia:Lance Acord
• direção de arte:Mayumi Tomita
• figurino:Nancy Steiner
• edição:Sarah Flack
• efeitos especiais:Gray Matter FX / Rods & Cones


elenco:
• Scarlett Johansson (Charlotte)
• Bill Murray (Bob Harris)
• Giovanni Ribisi (John)
• Fumihiro Hayashi (Charlie)
• Daikon (Bambie)
• Hiroko Kawasaki (Hiroko)
• Anna Faris (Kelly)
• Asuka Shimizu (Tradutor de Kelly)
• Akiko Takeshita (Sra. Kawasaki)
• Ryuichiro Baba (Concièrge)
• Kanuyoshi Minamimagoe (Agente de imprensa)

Nota: 9,0 (categoria/parâmetro: drama)

Uma imagem triste da capital japonesa através do olhar de norte-americanos médios, que traz a indagação se a melancolia é de fato da cidade, ou dos próprios personagens: e se a história não seria soturna em qualquer lugar que se ambientasse. Sofia Coppola conseguiu se mostrar melhor diretora do que atriz, igualando-se ao nível de seu pai e, mais importante, sem confundir-se com ele. Desde o modo de filmar, o viés/perspectiva de narrativa e os próprios argumentos adotados, seu filme tem características tão pessoais que jamais algum entendido poderá afirmar convictamente que “ela copiou o estilo do pai” ou que “ficou às margens dele”. São pessoas diferentes, portanto, com filmes diferentes.

Bill Murray, conhecido pelos seus papéis humorísticos em filmes bobos, consegue aqui uma performance peculiar, com uma expressão plácida que consegue transmitir o tédio do personagem até nos momentos em que aparentemente se diverte (como quando sai a primeira vez com Charlotte, personagem de Scarlett Johansson, e os amigos dela, e no meio da festa se isola com ela num corredor pra fumarem e pra desfrutarem a desilusão com a vida que compartilham. Não estamos acostumados a ver o personagem de Bill Murray fumando, mas sua expressão é de “não tenho nada a perder mesmo”, e sabemos que, se ele precisasse ir até algum lugar comprar o cigarro, ele não fumaria). Quando vai gravar o comercial de uísque, lhe pedem intensidade; mas intensidade... ele não pode dar intensidade. Falta-lhe intensidade na sua vida, falta-lhe paixão. Talvez seu único sorriso verdadeiro seja ao final, quando, encontrando-a em meio à multidão, dá-lhe um beijo, para depois voltar à sua vida acomodada e infeliz com sua família tradicional nos Estados Unidos.

Scarlett Johansson, por sua vez, está fantástica como sempre, e magnificamente lindíssima, também como sempre. Aliás, significativamente, o filme começa com uma tomada da sua bunda. Mas, além da bunda, o rosto da atriz consegue transmitir em cada minúcia as emoções da personagem e essa falta de perspectiva que, num segundo momento, converte-se num quê de admiração a Bob Harris, o personagem de Bill Murray, seu novo amigo naquele lugar onde ela fora parar como que de bagagem.
A extrema beleza física faz com que a atriz seja de forte atrativo para a empresa de entretenimento de Hollywood, mas, ao invés disso, ela se consagrou em ótimos filmes de arte como “Moça com brinco de Pérola” (no qual sua atuação é mais explorada do que sua beleza), algumas obras de Woody Allen e o próprio “Encontros e Desencontros”, fato que sempre me instigou a admirá-la profissionalmente. Contudo eis que recentemente ela surge em pérolas como “Ele não está tão a fim de você” e “O Homem de Ferro 2”; enfim, todos têm seu preço.
Anna Faris, eternamente lembrada pela sequencia de sátiras a filmes de terror “Todo Mundo em Pânico”, faz algumas pontas como uma típica “atriz-Hollywoodiana-que-se-acha”, fazendo-nos a todo momento crer inconscientemente que vai passar um carro do nada e atropelá-la. Esse é problema de atores que acabam se atrelando demais a um certo personagem: é geralmente dificílimo quebrar a associação!
Quanto à trama, trata-se daquele estilo sensacional (que, se bem usado, pode ser um dos mais profundos, senão o mais profundo dentre os usados no cinema) que virou marca do cinema europeu (apesar de, lógico, não ser padrão de todos os diretores do continente) e está sempre associada a ele (se quiserem pasmem pelo fato de Sofia Coppola se norte-americana): um enredo extremamente simples, sem quaisquer mirabolâncias, sensacionalismos ou meros detalhes que escapem à realidade da vida fora das telas, e que, por isso mesmo, consegue ser densamente sensível, captar as entrelinhas das relações e das emoções humanas, explorar o âmago dos personagens e constituir uma parcela do que é o Tratado da Vida que só o cinema com sua arte e magia consegue veicular. Nesse tão eternamente belo estilo de trama, o que está por dentro tem mais relevância do que está por fora: assim, os acontecimentos factuais são poucos, não há objetividade, o enfoque é para a sensibilidade, o psicológico dos personagens, que são dissecados até seu cerne.

Dentro da concepção de seu estilo, Encontros e Desencontros não é a melhor obra já feita. Sobra um ponto aqui que poderá ter sido um pouco mais aprofundado, um ali que poderia ter sido mostrado com mais sensibilidade. Mas nada que realmente desmereça a qualidade do filme; e aliás, estaríamos exigindo demais da praticamente iniciante Sofia Coppola a comparando com seres como Bertolucci e Antonioni. O fato é que, dentro da lógica da produção cinematográfica de seu país e de sua época, a lógica se inverte: é desumano comparar os demais cineastas com ela. Um maior amadurecimento a deixará talvez na trilha de Woody Allen, notável engendrador desse estilo de trama.
O que merece maior destaque no enredo é o fato que, fugindo ao senso comum, ao invés de Bob e Charlotte, em sua crescente amizade, tirarem um ao outro da placidez, da desilusão, e, por assim dizer, da própria falta de paixão que sofrem, o que acontece é diferente: eles compartilham tudo isso. E algo tão sensível é aprofundado de modos emocionantemente sutis: por exemplo o fato de nenhum dos dois, apesar da intimidade que adquiriram e da descrença nos relacionamentos que ambos nutrem, sentir-se suficientemente vivo ao ponto de ter o ímpeto de levar essa amizade mais além e aprofundá-la, transformando-a talvez em amor. Percebe-se que não é falta de desejo de nenhuma das partes: é sim falta de vigor, falta de vida, de ânimo, de ardor, de paixão, é o conformismo levado às últimas consequencias, de modo a desanimarem-lhes até de buscar ao que não há barreira alguma dificultando. Tudo isso se transmuta no que pode ser considerada uma das cenas mais originais e inéditas da história do cinema: um homem e uma mulher, ambos descompromissados (pois, embora tenham contratos formais com respectivos cônjuges, suas almas estão livres), ambos íntimos um com o outro, ambos nutrindo sua vida no outro, deitados numa cama só conversando: sem beijo, sem sexo. Muito tocante e muito imprevisível.

Do mesmo modo sutil, o filme vai construindo protagonistas de modo a incutir que, afinal de contas, o estranhamento deles, essa sensação de despertencimento, de desenquadramento, não é com Tóquio: é com si mesmos. Mas, apesar disso, Tóquio não é apenas cenário: é metáfora desse estranhamento, é o lugar onde os dois simplesmente aparecem, Charlotte acompanhando o marido, Bob acompanhando a carreira, mas nenhum dos dois acompanhando a si mesmo, acompanhando os próprios desejos, a própria paixão, a própria vida. Tóquio está dentro deles, e eles não gostam do que há dentro deles. Além de não gostar: eles são indiferentes.
E terminam o filme indiferentes. Um não é a alma gêmea do outro, não é a criatura divina que veio tirar um ao outro dessa vida acomodada para migrarem juntos à terra da felicidade e do amor eterno. Não é um filme de amor. É um filme de paixão. Ou, mais especificamente, da ausência de paixão. E essa ausência é compartilhada apenas até o momento em que não é necessário desacomodamento, atitudes, posicionamento perante a vida. Enquanto estão morando em quartos do mesmo hotel, eles compartilham essa ausência dentro deles. Então, o transcorrer do cotidiano, do “compromisso/contrato formal com vida” exige que eles se separem: e é isso, eles se separam. Bob voltará para sua família nos Estados Unidos (para o filho que fugiu dele no telefone e para a mulher que provavelmente o mandou fugir), e Charlotte aguardará o retorno do marido que a deixou sozinha no hotel esse tempo todo pra trabalhar. E voltarão não apenas para toda a desilusão que já tinham, mas também para a solidão (pois sabemos que a solidão verdadeira está na alma). Antes de se separarem até chega a haver alguns resquícios, algumas labaredas de paixão: Charlotte volta ao templo budista e dessa vez não se sente deslocada; Bob, ao avistar Charlotte em meio à multidão (o que é um pouco de “coincidência”, mas vá lá, dá-se um desconto), manda seu chofer parar o carro (primeira atitude que toma no filme) para ir atrás dela e, finalmente, lhe dar um abraço e um beijo (segunda atitude que toma no filme). Mas nada disso é, de fato, paixão suficiente para vencer o tédio.
Continuará a vida de sempre, à qual se deve dar qualquer outro nome, pois “vida” é demasiada presunção.

- A cena do beijo

A cena final do beijo é significativa e merece alguns comentários rápidos.
Primeiro, os merecidos elogios por ter escapado à tentação fácil de cair num típico beijo-clichê de final de filme. O beijo é retratado como é, sem romantizações exasperadas, sem sensacionalismo; não é uma coisa de outro mundo, é metaforicamente uma fugaz labareda dessa paixão pela vida que nenhum dos dois sentiam anteriormente a ele, e não voltarão a sentir depois dele. Um resquício de algo adormecido dentro deles, que abriu um olho mas não acordou. É mais triste do que romântico, belo e estapafúrdio, e a sequencia mostra isso bem.
Outro comentário é para um fato interessante: apesar de ambos serem casados, a sensação que temos ao assistir esse beijo não é de traição, é justamente o contrário: eles estariam se traindo se não fizessem isso. A significativa demonstração final e incontestável de que o amor, a vida, e a paixão são muito mais do que cotidianos vazios e contratos formais



Principais prêmios e indicações:

Oscar 2004 (EUA)

Venceu na categoria de Melhor Roteiro Original.
Indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator(Bill Murray) e Melhor Diretor.
Globo de Ouro 2004 (EUA)

Venceu na categoria de Melhor Roteiro, Melhor Ator em Comédia ou Musical e Melhor Filme Comédia ou Musical.
Indicado na categoria de Melhor Diretor.
BAFTA 2004 (Reino Unido)

*BAFTA 2004 (Reino Unido)

Venceu nas categorias de Melhor Edição, Melhor Ator Principal e Melhor Atriz Principal.
Indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Fotografia, Melhor Roteiro Original.
Sofia Coppola foi indicada ao Prêmio David Lean.
Indicado ao Prêmio Anthony Asquith para Melhor Música.
Prêmio Bodil 2005 (Dinamarca)


*Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro 2005 (Brasil)

Indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
Prêmio César 2005 (França)

Venceu na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
Prêmio David di Donatello 2004 (Itália)

Indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

*Independent Spirit Award 2003 (EUA)

Venceu nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Roteiro.
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2003 (Brasil)

Recebeu o Prêmio da Crítica.
Festival de Veneza (Itália)

Sofia Coppola recebeu o Prêmio Lina Mangiacapre.
Scarlett Johansson recebeu o Prêmio Upstream.

2 comentários:

  1. Interessante como o título original deste filme (algo do tipo "Perdidos na tradução") acrescenta mais um elemento à união destas duas pessoas. Acho uma heresia essa mania dos distribuidores brasileiros rebatizar o filme com um nome (comercial) que "tenta" resumir a estória.

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  2. Minha opinião está relativamente perto e distante desta..!!

    http://oirlandes.blogspot.com/2011/02/encontros-e-desencontros.html

    sei lá...vleww

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