terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A Missão

• título original:The Mission
• gênero:Drama
• duração:02 hs 05 min
• ano de lançamento:1986
• site oficial:
• estúdio:Enigma Productions / Kingsmere Productions Ltd. / Goldcrest Films International
• distribuidora:Warner Bros.
• direção: Roland Joffé
• roteiro:Robert Bolt
• produção:Fernando Ghia e David Puttnam
• música:Ennio Morricone
• fotografia:Chris Menges
• direção de arte:John King e George Richardson
• figurino:Enrico Sabbatini
• edição:Jim Clark
elenco:
• Robert De Niro (Rodrigo Mendoza)
• Jeremy Irons (Padre Gabriel)
• Ray McAnally (Altamirano)
• Aidan Quinn (Felipe Mendoza)
• Cherie Lunghi (Carlotta)
• Ronald Pickup (Hontar)
• Chuck Low (Cabeza)
• Liam Neeson (Fielding)
• Daniel Berrigan (Sebastian)
• Monirak Sisowath (Ibaye)
Nota: 4,2 (categoria/parâmetro: épico)

Apesar de contar com atores consagrados como Robert de Niro e Jeremy Irons, e ter conquistado uma Palma de Ouro em Cannes, e apesar de ser muito eficiente no registro visual do cotidiana e da arquitetura das missões católicas do século XVIII, além de mostrar um pouco a cultura indígena sul-americana, A Missão não é um bom filme. É extremamente conivente com a europeização que os jesuítas impuseram aos índios nativos sul-americanos, considerando, de certo modo, que se a dominação física é um pecado e ilegítima, a dominação cultural não é apenas aceitável, mas extremamente benéfica e fruto de ações humanitárias que têm as melhores das intenções.

A Missão cai no erro crucial de muitos filmes históricos que é simplesmente ignorar a ambivalência e a complexidade do contexto histórico e do processo histórico como um todo e simplificar e reduzir a situação narrada a uma luta épica maniqueísta entre o bem e o mau. Salvo um curto momento de lucidez em que o personagem narrador afirma que é interesse da Igreja manter seu domínio sobre os nativos americanos, já que não é mais soberana politicamente nos países europeus – momento de lucidez esse que não contribui para o desenvolvimento da história narrada e para a caracterização dos personagens – a religiosidade católica não é minimamente questionada – o próprio filme está permeado de simbologias católicas, fato que o torna descaradamente doutrinador – e os missionários são retratados de forma ingênua e mesmo infantil. Por outro lado, os índios convertidos são reduzidos a meros instrumentos manipuláveis, que se desprendem facilmente de sua cultura tradicional e tão arraigada para absorver uma cultura alheia de forma pacífica e até entusiástica – eles aparecem a todo momento defendendo os missionários e o próprio Deus católico. Não que algo semelhante não tenha acontecido historicamente, considerando o enorme poder de persuasão dos jesuítas, mas o filme não dá a nada disso uma dimensão crítica ou sociológica; pode-se dizer até que os índios retratados não têm personalidade, ou melhor, não têm a própria personalidade: eles absorvem a personalidade alheia e tomam ela para si, sem que isso pareça pelo menos um pouco merecedor de uma certa atenção e uma análise mais aprofundada.
E se o bem não é aprofundado, tampouco o mau o é. Os próprios interesses dos portugueses e espanhóis são mostrados só superficialmente, dando a impressão que eles agem mais por pura maldade do que por qualquer outra coisa. Ou ainda: que os interesses são a própria maldade – o chamado “capitalismo comercial” aparece como o grande vilão – em contraste com a pureza de virtudes dos jesuítas: a própria bondade (eles não têm interesse, só querem o bem) – a religiosidade católica aparece como a grande heroína. Não é relevante como historicamente ambos andaram de mãos dadas. Não se menciona no filme, por exemplo, que as missões funcionavam como um instrumento de colonialismo, já que, em troca do apoio da Igreja, o Estado monárquico se responsabilizava pelo envio e manutenção dos missionários, pela construção de igrejas, além da proteção aos cristãos.

Uma coisa é interessante. Muitos jesuítas, de fato, ingênuos, já submersos na moral religiosa que aprenderam desde criancinhas, acreditavam de fato que estavam fazendo o bem supremo aos índios, atuavam por pura “caridade” – outro dogma católico – e não por interesses. Portanto o erro do filme não é mostrar os jesuítas assim, mas compactuar com essa ingenuidade como se ela fosse legítima. Um filme muito melhor far-se-ia talvez demonstrando com um olhar questionador como um religioso absorve os valores da sua instituição até chegar ao ponto de entrar em paradoxo com a própria instituição que lhe ensinou a agir assim – não é isso que acontece quando, seguindo o Tratado de Madri de 1750, a própria Igreja que mandou os jesuítas construírem as missões lhes ordena que expulsem os índios delas?
É uma situação delicada, à qual não é dada importância. Ao invés disso, somos apresentados a um narrador que tenta transmitir carisma por meio de seu inabalável equilíbrio em cima do muro, mas que sinceramente não convence. Mais uma tentativa de bipolarização (jogar toda a maldade em cima de um único vilão, o Estado monárquico, o capitalismo comercial, e manter toda a bondade no herói, a Igreja, mesmo que, na sua eterna busca pela conciliação e pelos melhores caminhos, a pobre coitada tenha cometido alguns erros).

Para completar o quadro, o consagrado de Niro realiza uma atuação chocha, sem-graça, sem muita emoção, apresentando ao longo do filme feições muito parecidas. Seu personagem é um típico mercenário arrependido que se converte – após se infringir uma auto-penitência à lá Jesus Cristo (como se carregar um sacola de entulho montanha acima fosse lhe trazer de volta seu irmão e os índios traficados e etc, como se não fosse tudo um adulo de ilusão pra consciência, como se a moral católica tivesse algum sentido) – e passa a atuar nas missões sob as ordens de Gabriel, personagem de Jeremy Irons, que consegue uma atuação melhor, encarnando bem o jesuíta supercarregado de virtudes que só acredita no amor. A divergência luta armada x amor como modo de resistência é típica, e também pouco desenvolvida: ambos acabam virando personagens caricaturais, ou antes “tipos”.

- Por trás das câmeras
É válido nesse filme o esforço de produção, com o contrato de índios Waunana da Colômbia para interpretar os Guaranis, opção mais trabalhosa e também mais eficaz e verossímil do que o contrato de simples figurantes. Além disso, trata-se de uma tribo que, proporcionalmente ao histórico, vive situação de submissão cultural semelhante à dos Guaranis, dando ainda mais realismo às atuações e as emoções retratadas. Além disso, houve preocupação com a questão social do uso de nativos como atores para que desastres como os de Fitzcarraldo (projeto faraônico do diretor alemão Werner Herzog, que arrastou um navio de verdade morro acima na Amazônia) não se repetissem, embora, de fato, fosse impossível que não houvesse um certo trânsito cultural – unidirecional – durante esse processo, fato que é dissimulado nas entrevistas. Tudo isso é mostrado no extra no lado B do DVD, extra que, afirmo sem qualquer insegurança, é muito melhor do que o próprio filme, apresentando uma abordagem social e realista dos índios Waunana do século XX muito mais competente do que a simplificação romântica dos índios Guarani do século XVIII em A Missão.
A trilha sonora do filme conta com um dos grandes nomes do cinema nessa área, Ennio Morricone, apesar de não ser nada tão absolutamente imperdível.
A projeção nos banqueteia com imagens belíssimas, cenários de estupenda beleza que são capturados pelas lentes das câmeras de modo exemplar, o que rendeu à A Missão um Oscar de melhor fotografia, a única vitória entre as oito indicações que recebeu. Fato que nos remete a uma situação peculiar, nos alertando contra certas generalizações que muitas vezes tendemos a fazer: a Academia de Hollywood, tão comercial, pode, sim, se mostrar mais lúcida do que o consagradamente artístico Festival de Cannes.



prêmios:

OSCAR 1987
Ganhou
Melhor Fotografia

Indicações
Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Figurino
Melhor Direção de Arte
Melhor Edição
Melhor Trilha Sonora

*BAFTA 1987
Ganhou
Melhor Ator Coadjuvante - Ray McAnally
Melhor Edição
Melhor Trilha Sonora

Indicações
Melhor Direção
Melhor Fotografia
Melhor Figurino
Melhor Filme
Melhor Produção
Melhor Roteiro
Melhor Som
Melhor Efeitos Visuais

David di Donatello Awards
Melhores produtores estrangeiros – Fernando Ghia, David Puttnam

Festival de Cannes
Palma de ouro – Roland Joffé
Grande prêmio técnico – Roland Joffé

Globo de Ouro
Melhor roteiro – Robert Bolt
Melhor trilha sonora original – Ennio Morricone

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Apesar de haver uma certo exagero na figura da conversão Rodrigo Mendoza (Robert de Niro) e de como a igreja explora bem essa ideia, a verdade é que isso não deprecia o filme. A sua trilha sonora, o cenário, a composição do todo é suficiente por abafar toda e qualquer mácula.
    Parabéns pelo blogger e um abraço...

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