domingo, 21 de fevereiro de 2010

Perfume de Mulher


• título original:Scent of a Woman
• gênero:Drama
• duração:02 hs 36 min
• ano de lançamento:1992
• estúdio:Universal Pictures / City Light Films
• distribuidora:Universal Pictures / UIP
• direção: Martin Brest
• roteiro:Bo Goldman, baseado em roteiro do filme "Perfume de mulher" (1974), escrito por Giovanni Arpino
• produção:Martin Brest
• música:Thomas Newman
• fotografia:Donald E. Thorin
• direção de arte:W, Steven Graham
• figurino:Aude Bronson-Howard
• edição:Harvey Rosenstock, William Steinkamp e Michael Tronick
elenco:
• Al Pacino (Tenente-Coronel Frank Slade)
• Chris O'Donnell (Charlie Simms)
• James Rebhorn (Sr. Trask)
• Gabrielle Anwar (Donna)
• Phillip Seymour Hoffman (George Willis Jr.)
• Richard Venture (W.R. Slade)
• Bradley Whitford (Randy)
• Rochelle Oliver (Gretchen)
• Margaret Eginton (Gail)
• Tom Riis Farrell (Garry)
• Nicholas Sadler (Harry Havemeyer)
• Todd Louiso (Trent Potter)

Nota: 8,0 (categoria/parâmetro: drama leve)

Um filme sensível, belíssimo, comovente, mas com um final previsível e inverossímil.
A primeira coisa a se destacar nesse filme, impreterivelmente, é a atuação de Al Pacino, absolutamente impecável como Frank, um personagem totalmente submerso na consciência do final de sua vida, ou melhor, na certeza de que já não vive. Seu plano é relembrar os prazeres que tornam um homem vivo e depois se matar. Um veterano de guerra, o personagem de Frank não cede às comuns caricaturas que se faz sobre esse tipo. Com todos os traumas e arrogância do tipo, ele é ácido no modo de tratar as pessoas, contudo é extremamente carinhoso ao acarinhar a vida. Um personagem ambíguo e complexo como o é o próprio ser humano, não unilateral como a maioria dos veteranos de guerra que se vêem no cinema. E Al Pacino consegue sentir tudo isso, consegue não apenas se fingir complexo, mas ser complexo, se transmutando num personagem cujas angústias e cujas últimas reminiscências dos prazeres da vida nós, os espectadores, sentimos como se fosse conosco.
Chris O’Donnell, no papel de Charlie, ao contrário do que comumente se afirma, não se mostrou um mau ator em Perfume de Mulher. Ele transmite com bastante segurança a imagem de um estudante pobre inadaptado ao ambiente, que está inseguro, e que não sabe muito bem como lidar com Frankie, do qual inicialmente só está cuidando devido a sua necessidade de dinheiro para visitar a família no natal. Talvez, pela insegurança que permeia o personagem durante todo o filme, se tenha tido a impressão de que a insegurança vem do ator. O fato inevitável, para o azar de O’Donnell, é que o mérito de contracenar com Al Pacino resultou no seu ofuscamento por esse. Se Al Pacino se mostrou em outras circunstâncias um ator bom ou razoável, aqui ele está fantástico, ao ponto de não deixar espaço para que um ator mais inexperiente demonstre suas aptidões.

A segunda coisa a se destacar é a cena do tango, dentre tantas cenas tão humanas que esse filme nos traz, e que de certo modo é uma ramificação da excelente atuação de Al Pacino, que põe nos olhos que não enxergam toda a emoção de um dos momentos mais sensíveis da história do cinema. A mesma emoção que ele põe, por exemplo, na cena em que dirige finalmente sua amada Ferrari, a 120 km/h e arriscando a vida sua e de seu companheiro, embora, aqui, esta emoção já esteja misturada com uma indescritível tristeza de saber que os prazeres chegaram ao fim e que não há mais nada entre este instante e o fim. A mesma melancolia de todo desfecho, a inevitável nostalgia que sobrevém os melhores momentos de nossas vidas, principalmente quando sabemos que estes já não retornarão.
O sentimento que Frank nutre pela vida é tão peculiar que não se poderia chamá-lo de amor, mas talvez de paixão, ou algo além disso. É algo abrupto, violento, encantado, um quê que dá sentido ao que não tem sentido. Ele diz ao Charlie “há dois tipos de pessoas, os que enfrentam a vida e os que se escondem dela. Se esconder é melhor”, mas percebe-se no decorrer do filme o amarguramento que se escondia por trás dessa frase tão contraditória, como se fosse algo de que ele tentava se convencer nessa etapa final quando já não restara nada para ele enfrentar. Ele quer se matar não por não gostar da vida (muito pelo contrário, ele é apaixonado por ela, um amor que transborda os critérios da alma e se torna carnal), mas por já não viver.
E é esse o ponto em que o filme torna-se contraditório e inverossímil: ao dar a Frank não apenas a escolha, mas a mera opção de continuar vivo. Um homem pode viver sem amor, pode viver com o ódio, mas não pode viver sem paixão. A maioria dos suicidas acaba desistindo porque não consegue se convencer de que a ausência é pior do que o ódio. Mas Frankie não é esse tipo de gente, ele não tem esse tipo de fraqueza, ele não é um personagem trivial que está em depressão e quer se matar para aliviar a dor. Ele na verdade perdeu o objeto de sua paixão, que é a vida, que é si mesmo, e a perda da paixão incute na perda de um sentido, e, defronte disso, ele tomou a opção de se suicidar, pois, afinal, não havia vida nenhuma ali a ser morta, não havia nada que fosse se tornar diferente. Não sei se estou conseguindo ser claro, mas Frankie, sendo o personagem que é, sem uma paixão, não levaria adiante uma vida acomodada na mesmice, um protótipo de vida, ele não é o tipo de homem que “se esconde”, embora num momento alucinado ele tenha defendido esse tipo de atitude; ele é um homem que vive cada momento com ardor, com furor, que valoriza cada gota de sangue de suas veias, e que nunca agüentaria, sob nenhuma circunstância, o impacto de não ter mais veias por onde o sangue corra.
Nem as reminiscências do que fora uma vida, que são representadas pela viagem de prazeres à Nova York, nem a súplica de Charlie seriam o suficiente, primeiro porque um homem tão violentamente apaixonado não vive de lembranças ou de três pontinhos, segundo porque ele teria certeza que nenhum outro ser humano entenderia, sem estar em seu lugar, o que é a ausência de uma paixão, mesmo sendo um amigo tão próximo. O que seria uma comovente e sensível despedida de uma vida que valeu a pena como nenhuma outra valeu o filme transformou em argumentos fáceis e óbvios, pelos quais Charlie tentou (e conseguiu) convencer Frank a desistir de seu suicídio. Embora o enredo tente deixar esse argumento mais plausível através de uma sequencia de “mata não-mata” que traz à tona vários sentimentos e aflições relevantes, definitivamente não convence. E eis que Frankie torna-se, de repente, um personagem menos humano, e mais banal. Trata-se de um desfecho de fácil digestão que é uma tentação muitas vezes irresistível para filmes comuns, mas um erro grosseiro para filmes de arte.
Abrirei nesse parágrafo um parêntesis interessante. Essa paixão avassaladora que Frank nutre pela vida é personificada, de modo magnífico e muito sensível, na sua paixão pelas mulheres. Não as palavras, porque Frank não cai no romantismo das idealizações exageradas, mas o encantamento com que ele as descreve e as trata demonstra o quanto comparável elas são ao sentido e objeto último de toda a existência. “Você só pensa naquilo” diz Charlie, e Frank responde “E o que mais há?”. É um sentimento tão profundo e sincero que jamais seria explicado, é necessário assistir ao filme e, principalmente, assistir Al Pacino, para sentir o que aqui vai meramente comentado. Frank não sublima seu desejo e sua paixão, também não se limita por tabus ou formalidades, ele vai direto ao ponto, ao ápice de tudo, ao sentido que será sempre buscado, às mulheres. Assim, o “perfume de mulher” representa, em uma metáfora muito bem trabalhada, o próprio perfume da vida. Seu olfato inigualável, seu principal e primário meio de contato com as mulheres após sua cegueira, é, pois, seu principal e primário meio de contato com a vida. É o que o mantém vivo.
Enquanto isso, Charlie (Chris O’Donnell), o inicialmente cão-guia e depois grande amigo de Frank, enfrenta outra espécie de problemas, que caem no plano político. Esse fato confere ao filme muita abrangência e profundidade, além de notável peculiaridade: ele consegue explorar, sem se tornar saturado, um tema ligado ao sentimento e outro ligado primariamente à política. Assim, Charlie auxilia Frank com seus sentimentos, e Frank ajuda Charlie com seus problemas com a instituição escolar que está abusando de sua condição de aluno bolsista para tentar suborná-lo em troca da delação de colegas playboys, típicos americanos médios, que não tão nem aí pra ele e querem mais que ele leve a culpa sozinho mesmo. Os dois âmbitos, ambos essenciais na existência humana, são muito bem aprofundados e entrelaçados, sem perderem o rumo ou se ofuscarem em rol do outro. Contudo, do mesmo modo que, com a ajuda de Charlie, Frank consegue uma reviravolta final totalmente inverossímil, Charlie, com a ajuda de Frank, consegue o mesmo.


Não estou afirmando que é improvável Frank subir ao palco em socorro de Charlie. Ao contrário; trata-se de uma ajuda espontânea tão sensível e profundamente demonstrada pelo filme como a ajuda que Charlie prestara a Frank. Mas todos sabemos que, infelizmente, não é o inflamado discurso de um anônimo que mudaria a conduta de uma universidade tradicional e conservadora. Tudo o que Frank disse, de modo magistral, sem se atentar a formalidades e a pieguices que, afinal de contas, são o que caracterizam instituições como aquela, é verdade; é triste e é verdade. Mas no meio político (e trata-se, sim, a universidade de um meio político) não é a verdade que interessa, mas as conveniências e os interesses. E a decisão tomada pela Comissão não é minimamente conveniente. É o tipo de final tentador que induz o espectador a uma esperança frágil de futuros melhores e que o faz terminar o filme com uma sensação agradável e muito inclinado a elogiá-lo. É também uma maneira de mostrar que o verme não está na instituição em si, mas no mau uso que se faz dela, o que não é verdade: onde há instituições, principalmente instituições tradicionais como aquela, haverá vermes. E o filme se escapa da responsabilidade de mostrar um fato controverso como esse, se limitando à superficialidade da questão. Além disso, se formos parar pra pensar, é lamentável que alguém íntegro como Charlie tenha que se submeter a um meio hostil como aquele para poder se tornar alguém na vida. Mas o filme se limita a nos fazer engolir que, no momento mais crítico de sua passagem por lá, Charlie não precisou se adaptar para continuar inserido, mas Baird que, com seus séculos de formação de “dois presidentes, empresários, técnicos de futebol, banqueiros”, se adaptou a ele.
Para completar a série de lugares-comuns absolutamente dispensáveis nesse desfecho de um filme tão maravilhoso, é insinuado um relacionamento entre Frank e uma professora de Ciências Políticos (algo que Charlie já tinha mencionado ser possível. “Está gozando de mim?” Frank perguntara, ao que Charlie respondera “Sim”). Essa insinuação não é inverossímil, e seria até muito sensível e tocante se devidamente localizada e aprofundada (não confunda aprofundada com desenvolvida; a insinuação pode ser aprofundada e continuar uma insinuação). Mas do jeito e no contexto como ela é exposta serve apenas para completar, habilmente e sem muito trabalho, o incongruente quadro de esperança e bem-estar que o filme quer incutir no espectador desavisado.




Prêmios:

Oscar 1993 (EUA)

•Venceu na categoria de melhor ator (Al Pacino).
•Indicado nas categorias de melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro adaptado.
Globo de Ouro 1993 (EUA)

•Venceu nas categorias de melhor filme - drama, melhor roteiro e Melhor Ator - Drama (Al Pacino).
•Indicado na categoria de Melhor Ator Coadjuvante (Chris O'Donnell).
BAFTA 1994 (Reino Unido)

•Recebeu uma indicação na categoria de melhor roteiro adaptado.
Prêmio Eddie 1993 (EUA)

•Indicado na categoria de melhor filme.

Um comentário:

  1. Parabéns Murilo por sua paixão por cinema! Seu blog já estou seguindo! Adoro o filme Perfume de Mulher e o ator Al Pacino!A cena do Tango é magistral. Passa lá no meu.
    http://www.oninhoeatempestade.blogspot.com

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